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Maus exemplos

Tresler

1.Vejo o novo formato de entrevistas da TVI e não consigo acabar de ver. É demais para a minha paciência. A estação aproveita-se da desgraça dos desempregados e do infortúnio das pensões baixas, leva um conjunto de perguntadores para o estúdio (com público atrás como nos programas de entreter) e quer obrigar o pobre do Costa a prometer que lhes arranja um emprego ou que lhes aumenta as pensões. Ou melhor, quer ver a cara de embaraço do político que não tem resposta para aquilo senão enfiar uma cara de sério e debitar uma série de ideias que não se pareçam nada com promessas mas que lhe garantam o apoio dos pobres interessados. Ver a cara de Judite Sousa a querer dar nível a uma coisa tão grotesca dá tanta pena como adivinhar a nuvem na cabeça de António Costa: “No que eu me vim meter!”. Com o José Alberto de Carvalho na entrevista a Passos as coisas melhoraram mas informar deste modelo popularucho é insuportável. No dia seguinte no Telejornal lá estavam as sondagens, feitos troféus, a dizer quantos por cento tinham visto o debate. Como se a qualidade do debate dependesse da popularidade. Não havia necessidade!

2.Em qualquer canal os intervalos para publicidade podem deixar um simples mortal de rastos. O segmento de multivitamínicos (e outras drogas sem receita) anda mesmo a abusar e procura clientes que começam a ter dúvidas sobre si próprios. Senão vejam este diálogo entre duas comadres na casa dos 50, surpreendido há dias num banco de jardim:

-Olha, agora comecei a tomar o Antistax todos os dias. Aquele do elefante. Ando mesmo bem. A campanha dava 3 pelo preço de 2. E tu, já viste o novo suplemento de cálcio?

-O Calcitrine, o daquele brasileiro com o Goucha? Ou o Centrum da Catarina Furtado?

-Agora são duas portuguesas jeitosas. Parece que o Cálcio + é mais eficaz. Dizem as minhas vizinhas, vá…

-Esse não é aquele que dão grátis na compra do SOS Lister Mais?

-Também dão borlas no Mangostão Mais e no Complex Plus Energia.

-Eu já não passo sem estes comprimidinhos. Já tomo sete ou oito por dia. Eles dizem bem clarinho “tomar todos os dias”.

-O meu marido começou agora com as manias de eu tomar o Libifeme, que se toma todos os dias como a pílula. Mas que vá ele comprá-lo, que eu envergonho-me na farmácia.

-A mim não me tiram é o Danacol, sempre ao lanche. É melhor que a Senhora de Fátima.

-Para mim é o Activia, aquele iogurte da Fernanda Serrano. O meu intestino anda sempre a horas.

-Não te esqueças. Tem que ser “todos os dias”…

3.O exercício reivindicativo em que os noticiários nos têm submergido nos últimos meses, com o fito na proximidade eleitoral e numa chantagem dissimulada de interesse nacional traz à conversa as profissões que não conseguem afirmar-se no espaço público e que por isso veem esquecida ou obnubilada a sua importância. Por isso o esforço de transparência dos media na oferta de informação é fundamental para se porem à frente das forças que põem os media sob pressão.

Como se determina a importância e o desgaste de uma profissão e a conversão disso em euros? Em que ilusão vivemos sobre certas profissões e sobre os seus rendimentos e regalias? Que aspetos devemos considerar para julgar que uma profissão está mal paga (supostamente em relação às outras) ou que deve ser subtraída aos sacrifícios? Quando se fala do que se ganha, os jornais não podem limitar-se a reproduzir a retórica dos grupos que constroem a legitimidade da reivindicação naquilo que não têm, escondendo ou dissimulando o que já têm como rendimentos ou direitos. Por isso, desafiam-se os media a fazerem esse trabalho cívico de divulgação comparativa dos rendimentos das profissões (ordenados, subsídios e suplementos) e dos seus direitos, regalias e excecionalidades. Por exemplo: divulgar uma folha real de vencimentos anuais em 3 momentos da carreira, incluir as regalias em serviços de saúde estendidas a familiares, os suplementos que auferem como rendimento regular, os direitos no acesso à aposentação, nomeadamente na pré-reforma ou mesmo aposentação antecipada a que muitas profissões têm acesso banalizado, a oferta aos filhos de colónias de férias grátis ou de propinas pagas, o acesso gratuito a serviços de transporte ou de energia, etc., etc. Compram guerras? Mas fazem o vosso dever.

4.O que esperamos quando lemos crónicas ou textos de opinião? À primeira vista podíamos pensar que lemos para ver ideias diferentes sobre certos temas para depois fazer a síntese e criarmos a nossa própria perspetiva. Sim, mas sobretudo numa fase inicial de leitores. Grande parte das pessoas só lê até ao fim os textos dos escribas que parecem confirmar aquilo que elas já pensam. Quando se envereda por autores fora da nossa linha de pensamento reagimos de duas maneiras: ou se abandona o texto logo no início ou, se o lermos até ao fim, isso significa que ficaremos mais seguros da nossa posição contrária. Este preconceito vai aumentando com a idade e esta vai-nos acantonando em posições cada vez mais “conservadoras”, as que nos dão segurança. A propósito da Grécia, é engraçado ver no Facebook a quantidade de likes dedicados aos textos contra ou a favor do Syriza. É difícil falhar: independentemente da qualidade do raciocínio apresentado, ao ver certo texto partilhado, sabemos logo quais os “amigos” que vão pôr likes num texto que aponta as enormidades do governo grego ou aqueles que o farão numa diatribe contra Merkel. Mas em cada texto de opinião partilhado a quase totalidade só lê o título e as primeiras linhas. A preguiça de ler é o mal maior.

Por: Joaquim Igreja

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