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Marlene, anjo vermelho

Opinião – Ovo de Colombo

Marlene Dietrich! Não era das melhores atrizes nem cantoras, mas isso não a impediu de se tornar numa das intérpretes mais icónicas da 7ª Arte. Ela autodefiniu-se perfeitamente ao dizer «I’m not an actress. I’m a personality».

Eu admiro-a essencialmente como pessoa: sendo alemã de nascimento, Dietrich opôs-se a ser uma artista protegida por Hitler, que a considerou, por isso, traidora. No decorrer da IIª Guerra Mundial, Marlene chegou a viver com as tropas aliadas em condições miseráveis (quase morreu), fazendo “shows” para levantar a moral. Com todo o direito, foi condecorada no pós-guerra.

À parte da pessoa maravilhosa que Dietrich foi, custa-me entender porque sou fascinado por ela enquanto estrela. O processo de fascinação que o cinema exerce sobre o espectador é complexo, podendo acontecer de forma curvilínea, como um caminho que serpenteia até chegarmos a Manderley. Eu até sei porque gosto dela, mas não sei se a minha justificação é suficientemente justificativa. Marlene é misteriosa, fotogénica e glamorosa. Mas a Garbo, a sua eterna “rival”, também o é (a comparação é inevitável), além de que é muito mais bonita e bastante mais talentosa.

Nem sequer sou fã de nenhum filme da alemã como sou de “Queen Christina” (1933) ou “Ninotchka” (1939). E, apesar de tudo isto, tenho uma adulação pela Marlene que não tenho pela sueca. Esta minha preferência é completamente ilógica. Tão ou mais do que a China que Josef von Sternberg idealizou e construiu para “The Shanghai Express” (1932), um dos sete filmes que o realizador alemão fez para luzir a sua musa por ele descoberta, Dietrich. Sternberg catapultou-a para a fama com o filme alemão “The Blue Angel” (1930), onde uma diabólica escarlate Marlene revela as suas maravilhosas pernas (nessa altura, a Cyd Charisse era uma criança). Sternberg construiu Marlene. Esta não era nem se considerava bonita, mas Sternberg tornou-a glamorosa e percebeu que a câmara era louca pela loira. O sucesso do filme foi tal que os dois receberam convite da Paramount para trabalharem sob o seu domínio.

Quando a dupla, já em Hollywood, se desfez em 1935, nenhum dos dois conheceria o mesmo sucesso. Marlene faria muitos mais filmes, tendo uma carreira cinematográfica que se estendeu até à década de 60. De facto, ela fez os seus melhores trabalhos nos anos 50 (“Witness for the Prosecution”, 1957) e 60 (“Judgment at Nuremberg”, 1961). Porém, a magia, aquele surrealismo glamoroso que envolvia a andrógina loira, ficaram naqueles remotos anos 30.

Ninguém consegue, jamais, esquecer Marlene, seja depois de a ver de fraque e cartola a beijar na boca uma mulher em “Morocco” (1930) ou depois de a escutar cantar “Lili Marlene”. Qualquer que seja o momento em que a vemos pela primeira vez , já não a esquecemos. Porque Dietrich é inesquecível.

Miguel Moreira

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