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Marinheiro

observatório de ornitorrincos

A profissão de que tratamos aqui é uma designação generalista, uma vez que abarca diversas actividades profissionais da vida em alto mar. Comandantes de navios, biólogos marítimos ou proxenetas de sereias são alguns dos labores enquadrados nesta categoria. O leitor pensará agora que, dos três exemplos apresentados, um não faz qualquer sentido. E tem razão, caro leitor. Afinal, falamos de seres mitológicos, entes de existência literária, nunca vistos por olho humano. Até hoje não há uma única prova desses habitantes misteriosos dos oceanos, os biólogos marítimos.

Ser marinheiro não é só viajar de porto em porto, é também viver de enjoo em enjoo. Que se lembrem todos os que sonham com uma vida embarcada que os comprimidos para o enjoo também se acabam e no meio do Pacífico não há farmácias de serviço permanente. Nem urgências médicas – e o Sócrates ainda não governa o Kiribati ou as Salomão. E é aconselhável que não se confunda a “vida embarcada” dos marinheiros com a “vida embargada” dos construtores civis que se dão mal com autarcas ou a “vida emborcada” dos estudantes universitários. Com estes, os homens do mar partilham as ondas e o facto de ficarem muitas vezes à deriva.

A permanência num barco durante dias seguidos é uma prova de dificuldade extrema, excepto se esse barco for um iate e estiver atracado na marina de Albufeira. Um navio de grande porte ou um bote de borracha não têm tamanho se à nossa volta só existir um oceano infinito e vários homens que não convivem com mulheres há semanas ou meses. Não julgue o leitor que por já ter experimentado tomar banho todo nu na piscina do vizinho sem ninguém à sua volta consegue aguentar a privação da vida do mar. Ou que podia ser um grande contramestre apenas porque uma vez se aventurou com o colchão de praia quase até às bóias colocadas a 150 metros da areia.

Para ser marinheiro é necessário ter uma boa coordenação motora, capacidade de sacrifício e pelo menos cinco camisas de flanela ao xadrez.

Os pescadores, uma categoria específica dentro da área profissional do marinheirismo, arriscam a vida todos os dias, nomeadamente a vida das sardinhas e dos bacalhaus. É verdade que sair diariamente para o mar num barco é perigoso, mas viajar de comboio entre Massamá e Santa Apolónia todas as manhãs também não é para espíritos fracos. Os jovens do Interior (a região, não o jornal, porque esta publicação destina-se a gente intelectualmente bem formada) podem sentir-se tentados a entrar nas lides dos navios. Também no século XVI, de Trás-os-Montes à serra algarvia, hordas de portugueses partiram das suas terras e navegaram por todos os oceanos em busca de salvação, excitação e escorbuto.

Os mais novos podem ainda sentir-se atraídos pelo mito da namorada em cada porto. Caro leitorzinho, uma namorada em cada porto significa apenas que não há sítio nenhum onde possa atracar (verbo que significa “estacionar” no calão profissional) e ver um jogo da Liga inglesa sem que ninguém reclame. Se o leitor pretende, mesmo assim, concorrer a marinheiro, recorde-se que a profissão também se modernizou. Num exemplo típico de excesso de regulamentação estatal com prejuízo para as tradições populares, já nem os marinheiros podem dar estalos nas namoradas quando bem entendem.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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