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Marcas de mudança

Editorial

Esta semana recordamos que há 50 anos foi inaugurada a fábrica Renault Lusitana na Guarda. Nesse tempo, no já longínquo ano de 1964, na região havia pequenas fábricas de tecelagem e o setor primário ocupava a maioria da população que via na emigração a única opção para fugir à pobreza.

O então presidente da Câmara, Joaquim Pina Gomes, conseguiu, com arte e sorte, convencer o empresário (e homem do regime) Caeiro da Mata a investir na cidade mais alta constituindo por aqui uma unidade de produção de automóveis para a marca francesa. Foi a primeira fábrica de montagem de automóveis do país e, durante 30 anos, mudou a face da cidade. Aqui se produziram cerca de 200 mil automóveis para o mercado nacional e exportação, numa fábrica que chegou a empregar 500 trabalhadores, cujas regalias eram, em tudo, superiores à média. Depois, a fábrica foi vendida para as cablagens. Primeiro para a Reicab, depois para a americana Delphi. Chegaram a trabalhar 3.000 pessoas naquele que foi o maior empregador do interior do país, que, sem apelo nem agravo, encerraria definitivamente em 2010. Hoje, enquanto recordamos (sem motivo para celebrar) observamos a marca indelével que aquele investimento deixou na cidade e região.

Na Guarda, e muito para além do desânimo generalizado que se sente nas pessoas, e nos portugueses em geral, há um triste fado determinado pelo fim da Renault e posteriormente da Delphi. Muitas pessoas desistiram de procurar emprego na cidade onde o trabalho não abunda e partiram. A emigração nesta região sempre foi uma opção, muito para lá do estado do país e das “sugestões” de um primeiro-ministro incapaz de encontrar soluções para o futuro. Enquanto olhamos para as instalações à venda da Renault/Delphi, sentimos um murro no estômago por acreditarmos que é possível ficar, que é possível ter futuro num concelho que nos últimos anos fechou as portas ao desenvolvimento e não soube desenhar o futuro. As novas gerações saem e não voltam, não podem voltar. O recordar os 50 anos da mais importante fábrica instalada na Guarda é, também, um momento de reflexão sobre o caminho que a cidade tomou e sobre o qual não há volta atrás. O que se perdeu nos últimos anos, em que a cidade não aproveitou a euforia, dinamismo e disponibilidade financeira foi muito, tanto que não se poderá recuperar nos próximos anos, por muito exigentes que sejamos – e temos mesmo de o ser para imprimirmos a metamorfose necessária.

Por coincidência, a Guarda viverá nos próximos dias um “momento alto” em que irá comemorar a portugalidade, Camões e as comunidades portuguesas. Serão dias de pompa e circunstância, de júbilo e elevação da autoestima. É pouco para uma cidade que tem perdido tanto, mas é, porventura, mais do que aquilo que esperávamos há alguns meses e que poderá ser um momento de viragem rumo ao futuro, um novo futuro, que tanto ansiamos.

Luis Baptista-Martins

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