«Muito humilde no trato, simples e uma pessoa fantástica», é assim que Natália Bispo recorda Manuel António Pina, falecido na última sexta-feira, no Hospital de Santo António (Porto). De gerações diferentes, acabaram por nascer na mesma casa, que ainda hoje «permanece igual», em frente à Câmara do Sabugal. «Os meus pais compraram-na aos avós dele, mais ou menos em 1948», conta.
Foi essa casa que os aproximou com «uma grande empatia», por ocasião da homenagem prestada em 2009, no Sabugal. Nessa altura, o jornalista e escritor ainda não tinha sido galardoado com o Prémio Camões; era simplesmente Manuel António Pina, o sabugalense, o “menino” da terra. É também Natália Bispo quem o recorda, emocionada, como um homem «muito comunicativo, afável, que se sentava connosco à mesa», cada vez que vinha à Casa do Castelo. Era ali que ficava, desde 2009, sempre que visitava o Sabugal. Ser homenageado em vida foi algo «estranho» para o escritor, mas «totalmente merecido», considera. A gerente da Casa do Castelo lembra-se do dia em que o poeta lhe disse que as «homenagens são para quem já morreu» e também de quando o acompanhou no reencontro com o quarto que já fora dele. Evoca ainda uma conversa recente, na qual ele prometia visitá-la «em breve» para lhe «entregar em mão umas coisas que lhe tinha emprestado».
São estas memórias que lhe fazem tremer a voz, ao lembrar um sabugalense que, com «todo o mérito», foi e é reconhecido pela terra que o viu nascer a 18 de novembro de 1943.
Um cronista «acutilante»
«Perdi um amigo, mais sei que posso continuar a encontrar-me com ele através das palavras que nos deixou e que tão sabiamente connosco partilhava», declara António Dias de Almeida. Para o antigo professor de Português na Secundária Afonso de Albuquerque e estudioso da literatura, Manuel António Pina era «uma das vozes poéticas mais encantatórias da nossa literatura contemporânea», mas, além disso, era «um ser de enorme humanidade». A sua morte representa «uma perda considerável também pelas suas crónicas, pertinentes e acutilantes», acrescenta. Também António Godinho, poeta e autor da Guarda, elogia a «acutilância» do cronista, sem esquecer a sua importância para uma região que é a sua. «Conheço mais a parte cronista, foi alguém que defendeu temas da região, que se preocupou com assuntos de ordem cultural e social», declara. Falar numa «grande perda» é recorrente em quem recorda o escritor e António Godinho não é exceção: «Há a registar o desaparecimento a nível nacional, mas sobretudo para a nossa zona, que precisa desta massa crítica», acrescenta.
A reaproximação à Guarda
Por sua vez, Virgílio Bento, vice-presidente da Câmara da Guarda, revela que conhecia Manuel António Pina há muito tempo, «desde 1973, já que frequentávamos os mesmos espaços no Porto». O reencontro entre ambos foi também a reunião do escritor com o distrito onde nascera, na promoção de uma série de atividades a nível local, em 2010. «A relação com a Guarda era permanente e de uma grande amizade», afirma. Virgílio Bento recorda-se particularmente de um momento com Manuel António Pina, na biblioteca batizada com o seu nome na escola Adães Bermudes, para destacar a «humildade com as crianças e a sua capacidade de contar histórias» que sempre o surpreenderam.
Já Américo Rodrigues, poeta e diretor do Teatro Municipal da Guarda (TMG), lembra «um homem bom e um cidadão muito empenhado nas lutas coletivas» de um distrito do qual se estava a aproximar muito. O também escritor e ator recorda o ciclo e o prémio associados a Manuel António Pina, «um aliado e amigo da Guarda», que, na sua opinião, «era o melhor cronista português», pelo que o seu desaparecimento é «uma grande perda para o jornalismo e para a cultura».
Em fevereiro deste ano, numa entrevista ao jornal i, o autor confessava o seu ceticismo: «Às vezes inverto aquela máxima e digo que o otimista é um pessimista mal informado». Esta era a filosofia de um poeta, mas também a de quem acreditava no jornalismo, no qual se deve «fazer o mais honesto, empenhar-se ao máximo, sabendo que é completamente irrelevante. É essa a grandeza do ser humano». Por outro lado, não deixava de ser a criança que tinha crescido depressa de mais e se via renascer na poesia, que «é uma forma de olhar de novo». A região foi verdadeiramente mobilizada na despedida, ajudada ainda pelas redes sociais, que são atualmente um “ponto de encontro” de fácil acesso e divulgação. Natália Bispo usou a sua página no Facebook para publicar fotos suas de Manuel António Pina, que entretanto foram partilhadas e comentadas por quem também entende a perda como sua. «Seria egoísta da minha parte não partilhar», justifica, até porque o Sabugal perdeu «uma pessoa muito especial e que ainda tinha muito para dar».
Porém, são as mesmas vozes que falham com a despedida, que transmitem e alimentam a certeza de que a figura de Manuel António Pina vai continuar a marcar e a orgulhar esta região. Afinal, era este poeta que dizia, em 1974, «Ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde».
Manuel António Pina é autor de uma vasta obra de poesia e literatura infantil, bem como de inúmeras peças de teatro e livros de ficção e de crónica. O Prémio Camões, considerado o mais importante da língua portuguesa, foi-lhe entregue em 2011. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1971, o sabugalense foi jornalista do “Jornal de Notícias” durante três décadas; onde foi repórter, redator, editor e chefe de redação. Até há poucos meses, publicava diariamente a crónica “Por outras palavras”, na última página do JN.
Câmara da Guarda aprova voto de pesar
O município da Guarda aprovou na segunda-feira, por unanimidade, um voto de pesar pelo falecimento de Manuel António Pina. O escritor, cujo pai era oriundo da Aldeia Viçosa (Guarda) e a mãe do Sabugal, cidade onde o poeta nasceu, é apresentado como um «grande intérprete da realidade social e interventor crítico e lúcido».
«Enquanto pessoa e enquanto beirão, mereceu-nos a maior admiração e deixa-nos uma obra vasta, que se reveste de sensibilidade, emoção e ironia», defende o executivo. Já tinha sido dedicado ao sabugalense um ciclo temático em 2010, por parte do mesmo executivo, que instituiu ainda um prémio literário para poesia e literatura infanto-juvenil. Também a biblioteca da Escola Básica Adães Bermudes ostenta o seu nome, sendo que o executivo decidiu propor à Comissão Municipal de Toponímia a atribuição do nome de Manuel António Pina a uma rua da cidade.
Sara Quelhas