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Manifesto Contra a Praxe

É falso que a praxe sirva para integrar ou socializar os caloiros. Não se integra ou socializa ninguém através da humilhação ou de agressões. A praxe nada traz de importante aos praxados senão a constatação de que o ensino superior começa com práticas inferiores e degradantes. A praxe transforma os da mó de cima em sádicos e criminosos e os da mó de baixo em vítimas. Até que estes obtenham o direito de seviciar as suas próprias vítimas. Na essência da praxe está a tese da falta de direitos de uns, os caloiros, e do excesso de direitos de outros, os praxantes, à custa dos primeiros. Se a praxe fosse um país era fascista. Ou estava ainda na idade média. Os únicos resultados visíveis da praxe são os abusos tornados públicos, o início do alcoolismo e a perda de um semestre. A praxe é o paraíso dos “bullies”. Os maiores defensores da praxe são bêbedos, sádicos, potenciais criminosos. E tarados. E também cretinos. A maior parte dos estudantes abandona a praxe após o primeiro ano e uma pequena minoria de inúteis continua depois a tradição. A adesão dos caloiros à praxe tem sobretudo na base a chantagem e a ameaça daquela pequena minoria, caucionada e auto-alimentada pela tradição. Dos que aderiram com mais convicção à praxe, os melhores, os de bom íntimo, acabam por se arrepender. Como sucede em geral com os que estiveram em organizações criminosas. Os códigos da praxe são contra tudo aquilo que constitui a essência de uma sociedade civilizada. Não conheço ninguém que se considere uma melhor pessoa graças à praxe. Se alguém ganhou grandes amigos graças à praxe, foi porque teve ocasião de encontrar tarados da sua estirpe, ou pela solidariedade da desgraça sofrida em comum. A praxe não serve para nada e nada traz de novo, senão novas desgraças e más memórias. A praxe não é necessária e os caloiros podem ser integrados na universidade e encontrar amigos sem terem de se submeter a práticas degradantes. A praxe não pode ser proibida, porque isso só lhe daria força, mas temos de ensinar os nossos filhos a recusá-la.

Por: António Ferreira

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