Arquivo

Mais impostos, menos impostos

A apresentação do Orçamento do Estado para 2015 vai ser diferente do habitual: ele será igual aos habituais. Todos os anos, o dia 15 de outubro traz um frenesim de novidades, mas este ano chegamos a dia 13 e já sabemos o que aí vem; e sabemos porque o que haverá é como o que havia. Não haver novidades é a novidade. Num ano eleitoral. Ou estamos iludidos? É possível: o governo (meio governo, pelo menos) não faz magia mas tem feito ilusionismo empenhadamente. Tanto que há reposições que são cortes e os impostos vão descer subindo, cobrando o que devolverão. Mas só em parte. Só depois. E só talvez. Bem…

Bem, já vamos à ilusão. O que sabemos hoje é que o primeiro Orçamento de Passos sem a troika (“sem rodinhas”, como lhe chamou Rui Tavares hoje no Público) vai ter austeridade e manter cortes de salários da função pública, ainda que menores que até aqui (a tal reposição de 20%, ou corte em 80% do valor do ano anterior). Nos impostos, há uma descida do IRC em perspetiva e um doce para as famílias numerosas (em descendente ou ascendentes), que terão uma descida no IRS. Tudo com “neutralidade fiscal”, ou seja, sem baixar as receitas. Tudo será pois compensado com os impostos verdes, alargamento da base fiscal e novas armas de combate à fraude e evasão fiscal. Bom…

Bom, “impostos verdes” quer dizer novos impostos sobre empresas e produtos poluentes, o que se repercute no consumidor. “Alargamento da base fiscal” quer dizer que ou mais pessoas vão pagar ou que as mesmas pessoas vão pagar mais. E “novas armas de combate à fraude e à evasão” pode querer dizer todos os meios para o mesmo fim, o de cobrar mais. E é por isso que o ideólogo aqui não é Passos Coelho, não é Maria Luís, não é sequer Gaspar. É Núncio. É o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Paulo Núncio não é um ideólogo? Pois não, mas este Orçamento também não tem ideologia. Sim?

Sim e, sem ideologia, Paulo Núncio já tem lugar assegurado na história. Não, como ele queria, por ser o pai da reforma do IRC e do IRS. Mas pela capacidade de cobrar impostos. Não há qualquer ironia nisto: a lotaria com faturas, o perdão fiscal, a caça aos restaurantes, cabeleireiros, mecânicos, a fatura eletrónica e o ror de medidas que aplicou fizeram disparar a cobrança de impostos. Não há política fiscal, há polícia fiscal. E é a cobrança dessa polícia que tem estado a suster o cumprimento das metas das contas públicas que mesmo assim não são cumpridas. Mau…

Mau é o resultado final de uma dívida que não desce, de um défice que não aplaca (2,5% em 2015…?), de uma incapacidade (de financiamento e não só) para investir e de uma dependência do crescimento das economias externas. É essa moldura perpétua de dívida que nos aprisiona ainda e sempre. E que dispensava o ilusionismo. Como o desta descida de impostos que se mantêm num nível alto.

Alto! Depois de o CDS andar três meses a fazer de polícia bom com o desejo de descida de IRS, deixando para Passos Coelho a figura de polícia mau que a não deixa, o desfecho prepara-se para ser a manutenção da sobretaxa em 2015 que poderá ser devolvida em parte em 2016 se a economia crescer, se o combate à evasão render, se as receitas fiscais subirem e se as nossas avós tiverem rodas. Isto não é sequer uma promessa política, é uma expectativa possível que poderá eventualmente acontecer se calhar talvez um dia. E é também um presente envenenado para o próximo Governo, que é quem tem de tomar a decisão. Isto é um cheque careca pré-datado. É uma ilusão eleitoralista de Portas num orçamento não eleitoralista de Passos. Será?

O que será, será. Daqui a dois dias veremos se é assim, se entre centenas de alterações legais propostas há substância maior do que esta e se Passos faz mesmo um que-se-lixem-as-eleições naquele que será o último Orçamento do Estado deste governo e talvez o último deste primeiro-ministro. António Costa já está à porta e Rui Rio à janela da casa do poder a que chamamos casa da democracia. Se calhar, ainda pedem a Paulo Núncio para ficar. E, se calhar, ele fica. Como esse nome ou com outro. É a nossa arma secreta. Hurra? Irra!

Por: Pedro Santos Guerreiro

* Diretor Geral do Expresso

Sobre o autor

Leave a Reply