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Maior conjunto de arte móvel do Paleolítico no Vale do Côa

Núcleo do Fariseu revelou 60 exemplares em placas de xisto, ossos de pequenos cervídeos e uma vértebra de peixe

O Centro Nacional de Arte Rupestre anunciou a descoberta no Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) do maior conjunto de arte móvel do Paleolítico Superior em Portugal. Martinho Baptista, director do CNART, revelou, na última sexta-feira, que se trata de 60 exemplares em placas de xisto, com cerca de 10 a 20 centímetros de comprimento, identificados no núcleo rupestre do Fariseu, no âmbito da campanha de escavações arqueológicas realizadas entre 19 de Setembro e 14 de Outubro.

O núcleo do Fariseu situa-se perto de Vila Nova de Foz Côa e está habitualmente submerso pelo leito do Côa. Aproveitando uma descida temporária em cerca de dois metros do nível da albufeira do Pocinho (rio Douro) que afecta o Côa, foi possível identificar no leito deste rio, pela primeira vez em 1999, um painel de xisto com arte rupestre recoberto por terras que continham vestígios arqueológicos datados do Paleolítico Superior, explicou. Os estudos efectuados, designadamente através da tipologia dos utensílios identificados e recurso a análises físico-químicas, permitiram a primeira datação objectiva da arte paleolítica do Vale do Côa num mínimo de 15 mil anos, acrescentou o arqueólogo. As escavações realizadas este ano tiveram por objectivo «avaliar a extensão do sítio pré-histórico, caracterizar as actividades humanas realizadas no local e relacionar esta ocupação com a arte gravada nos painéis». A campanha permitiu identificar dois novos painéis gravados que se encontravam soterrados por níveis ocupados no Paleolítico Superior, além das cerca de seis dezenas de placas de xisto/arte móvel que Martinho Baptista considera ser «o mais numeroso e notável conjunto de arte móvel do território nacional».

O director do CNART salientou que as peças de arte móvel postas a descoberto permitem concluir que o Homem do Paleolítico «vivia junto às gravuras dos painéis rochosos e que estas o inspiraram para conceber as manifestações artísticas nas pequenas placas de xisto». Para representar animais nas peças de forma filiforme foram utilizadas técnicas diferentes das usadas nos painéis de xisto sobranceiros ao rio Côa. Por isso, Thierry Aubry, do Instituto Português de Arqueologia, que orientou os trabalhos, considera que com estes achados – que podem remontar a cerca de 12 mil anos – «é possível dizer que os painéis de rochas gravadas com motivos zoomórficos sobrepostos podem ter mais 18 mil anos». As escavações possibilitaram pela primeira vez no Vale do Côa a recuperação de restos de fauna caçada durante o Paleolítico Superior, designadamente ossos possivelmente de pequenos cervídeos e uma vértebra de peixe e que podem «dar a ideia da fauna existente na época e também a da alimentação dos habitantes do vale». Este arqueólogo francês do PAVC admite que, face aos achados e aos novos painéis agora identificados, a área possa prolongar-se em direcção ao leito do rio, coberta de sedimentos há séculos ou mesmo submersa. Os responsáveis admitem a possibilidade do núcleo do Fariseu poder vir a ser aberto ao público, desde que se façam algumas obras de engenharia adequadas, salientando que «a densidade estratigráfica é tão rica que vai ser de todo o interesse para o visitante». Entretanto, depois de protecção adequada, vão ser repostas as terras no local dos trabalhos devido à subida das águas do Côa.

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