O guia para uma má vizinhança manda que um mau vizinho espie, sempre que possa, a vida do seu vizinho e dela dê conhecimento aos seus congéneres, de preferência, no cabeleireiro ou no café lá do bairro. Poderá também dar festanças no seu quintal ou apartamento, até altas horas, com música e risos em alta fidelidade ou acordar os outros com música aos altos berros num cristão domingo matinal. Peixeiradas com o cônjuge com ou sem polícia à porta é também o arquétipo de um mau vizinho.
Há, no entanto, uma forma de má vizinhança que, de alguma forma, é branqueada por uns, ignorada por outros e desculpada por muitos – refiro-me à adoção do mais fiel e incondicional amigo de muitos vizinhos – o cão.
Já aqui escrevi sobre esta temática, mas apetece-me reforçar a minha posição relativamente a isto. Um cão é uma enorme responsabilidade. O seu bem-estar é fundamental, mas para isso temos que proporcionar-lhe as melhores condições. Se não as temos, nunca deveríamos ter direito a ter um. E quando digo as melhores condições refiro-me a uma alimentação adequada, vacinação em dia, carinho dos donos, espaço adequado ao seu tamanho e termicamente confortável, entre outras exigências a que um ser vivo com este grau de inteligência tem direito.
Quando um animal não tem um ou mais destes aspetos do seu dia-a-dia em conformidade sente-se esfomeado, doente, triste e abandonado, claustrofóbico, sobreaquecido ou enregelado. Para protestar ladra, ladra muito, até uiva e, no processo de fazer valer os seus direitos, inferniza a vida aos vizinhos do seu dono.
Mas o mais incrível neste processo é que, estranhamente, os donos se tornam imunes aos latidos e, com isso, tornam-se maus vizinhos para os desgraçados que tiveram o azar de compartilhar a urbanização ou o prédio com estes. É natural que um cão ladre. Não é natural que um dono permita que o seu canídeo o faça de forma reiterada e prolongada durante a noite, sujeitando quem quer descansar às arbitrariedades do seu, relativa ou absolutamente, mal-amado rafeiro ou puro-sangue.
Há raças e raças. Na altura da aquisição deve-se ter em conta as potencialidades para latir que o nosso futuro animal de estimação poderá ter. Perguntar a um veterinário poderá ser um bom passo prévio para evitar aborrecimentos com os condóminos. Mas o mais importante será mesmo perceber se determinado cão pode ter determinados donos. Um animal destreinado é como um adolescente sem regras – o céu é o seu limite. No processo de crescimento, no disfrutar das liberdades e instintos haverá muito desgraçado que vê os seus direitos e liberdades coartadas em nome de uma natureza ou instinto animal, subsidiado como corolário, por um amo insensível, irresponsável e pouco altruísta.
Tenho um cão, de raça Labrador, possuidor de uma inteligência acima de muitas outras raças, facilmente assimila ordens e protocolos e nunca incomodou durante a noite alguém para além de mim. Mal lhe conheço a voz. Acordou-me uma única vez por se estar a sentir maldisposto. Durante o dia anda livremente no quintal, cercado, da casa (abomino correntes e trelas), feliz e confortável e recolho-o à noite para dormir na garagem – cortando-lhe qualquer instinto para latir a uma lua cheia. Para mim a argumentação de que um cão tem que estar na rua para dar sinal dos ladrões, ladrando, é tão vazia como a de um alarme que repetidamente o dá como falso, não alerta ninguém, apenas nos acorda e enerva por tardar a calar-se. Tal e qual como os cães dos nossos vizinhos.
Por: José Carlos Lopes