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Limpámos como nunca, ardemos como sempre

Ainda lavrava na mata lisboeta de Carvalhos Robles um fogo que ameaçava ser o mais destrutivo no imobiliário da capital desde o fatídico dia do Chiado, já um outro, gigantesco, o abafava. Porque não fazemos as coisas por menos. Somos campeões da Europa de futebol, de triplo salto, de marcha, de condução de alta velocidade em calças de bombazine, de área queimada e maior fogo da temporada. Marcelo Rebelo de Sousa não poupará em selfies e até o incinerado carvalho de Monchique irá pousar com o PR para um já habitual DAB. A próxima “startup” unicórnio portuguesa estará decerto envolvida no processo de fabrico de comendas.

Na TV ninguém tem dúvidas. No jornal todos têm certezas. E é neste ambiente do Cavaquistão, em que ninguém se engana e raramente tem dúvidas, que assistimos ao maior churrasco coletivo da Europa. No ano passado ardeu Villarriba, este ano Villabajo, e nem necessitamos de marcas para patrocinar o branqueamento do evento, ele volta e deixa tudo negro com uma periodicidade matemática.

Eu e muitos outros não tínhamos qualquer conhecimento acerca de fogo, planeamento florestal, desertificação ou gestão territorial. Mas, depois de anos de serões quentes de reportagens, debates e mesas redondas especiais com monóxido de carbono a mais e ocupação a menos, ouvindo políticos, gurus em tudo e até verdadeiros especialistas, estou a uma cadeira de “Evacuação de Populações” de concluir o mestrado em Incêndios, variante florestal. A partir daqui já devo conseguir comandar uma corporação de bombeiros à distância. Parece que não seria assim tão inusitado no distrito.

A diminuição de candidatos ao ensino superior não aconteceu pela via do aumento do emprego, como sugeriu o Governo. É que com um MBA destes, certificado pela CEAC em agosto, as redes sociais são uma trincheira bem mais apetecível que as praxes de batom na testa com banda sonora de “covers” de Quim Barreiros. Desde a dicotomia espécie bombeira/pirómana, GIPS/Bombeiros, Protecção Civil Distrital/Nacional, até à relevantíssima água vs gel retardante, tudo se debate. Neste tema específico aposto num Prós e Contras em que a CP e a Érica Fontes vão falar dos efeitos desse gel na diminuição da velocidade dos Alfa Pendulares e da capacidade da atriz incendiar lentamente as plateias. Qualquer argumentação do balde de água do helicóptero sairia evaporada.

É de facto um êxito a ausência de mortos neste enorme incêndio florestal. Mas vítimas houve muitas. A começar por todos os lesados da aguardente de medronho, do mel de Monchique, da agua… Pelo que falar de sucessos só daqui a 20 ou 30 anos quando o território estiver ordenado, mas fundamentalmente ocupado. Com mais ou menos eucaliptos não sei, mas parece-me que apagar fogos em densos eucaliptais, que acabam nas empresas que, alegadamente, poluem severamente o rio Tejo com o objetivo de exportar papel higiénico para a Europa parece mesmo uma cadeia de negócio de cheiro fétido.

A culpa pode ser do aquecimento global, da falta de meios, da descoordenação desses mesmos meios, das espécies florestais escolhidas, do abandono do território e cada uma dessas razões terá a sua percentagem na conta final. Os incêndios podem até ser obra de lasers militares e extraterrestres, como defendem as linhas argumentativas conspiracionistas, mas certo é que depois de milhões gastos por entidades públicas e por privados não é exagero nenhum dizer que em Portugal limpámos como nunca, ardemos como sempre!

Por: Pedro Narciso

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