Nos tempos de hoje ninguém recebe lições de democracia de ninguém. Em Portugal, pelo menos, é uma expressão favorita dos profissionais da política e estes, como é sabido, são dos que menos percebem do assunto.
Chirac acha que sabe mais do que os outros e, não recebendo lições, entendeu por bem bafejar toda a união com a bênção do seu saber. O preâmbulo da proposta de Constituição Europeia tem o dedo de Giscard D´Estaing e a aprovação do actual presidente francês. A “The Economist” tem vindo a ridicularizar o texto, apelidando-o de pomposo, vácuo, inútil. Efectivamente, a comparação com o preâmbulo da Constituição Norte-Americana não pode senão envergonhar cada europeu. Que dizer do pretensioso início, aparentemente mal traduzido do grego, em que se procura dar uma definição de democracia à medida dos desejos do eixo franco-alemão? É um claro truque, destinado a legitimar o esmagamento das minorias, dos pequenos países, em benefício dos grandes e dos que aspiram a sê-lo, como a Polónia e a Espanha. Um exemplo recente é a forma como Alemães e Franceses cuspiram em cima do Pacto de Estabilidade (ou do seu túmulo), o tal que é responsável pela triste situação em que Portugal se encontra.
Desse texto, do preâmbulo da futura Constituição Europeia, consta a notória e famosa ausência de Deus, Ele mesmo. A mim, que sou ateu, não me preocupa a deliberada obliteração da personagem. De resto, para ser sincero, não vejo sequer qualquer utilidade no preâmbulo ou até interesse, nesta conjuntura e com estes negociadores, em toda a ideia de uma constituição para a Europa.
Mas Chirac, que é ele quem hoje me irrita, fez outra daquelas coisas que fazem ranger os dentes. Achou por bem, em nome do laicismo do estado francês, proibir o uso nas escolas e outros locais públicos de símbolos religiosos. São proibidos, por exemplo, o uso de véus islâmicos e de crucifixos de tamanho exagerado. Ridicule, monsieur! Se o Estado é laico, os cidadãos não são obrigados a sê-lo – e o Estado é dos cidadãos. Assim como uma vestimenta laica, ou uma declaração de ateísmo, não podem ofender um religioso, o inverso é igualmente verdadeiro. E há, sobretudo, um princípio básico a ser aqui gritantemente violado – o respeito pela liberdade de expressão. Com esta lei, a França equipara-se à China de Mao, à actual Coreia do Norte, na sua interferência sobre a forma como os seus cidadãos se vestem. Vergonha, gigantesca vergonha. E são eles, estes democratas, que querem impingir aos outros, aos mais pequenos, a nós, nada menos do que uma constituição?
Por: António Ferreira