Arquivo

Lagares escavados na rocha (II)

Nos Cantos do Património

Nem sempre é possível determinar a cronologia dos lagares escavados na rocha ou das lagaretas de sulcos. A antiguidade deste tipo de estrutura vinícola é atestada pelas referências bíblicas: “Um chefe de família plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar…”.

Há quem não hesite em datar estas estruturas da época romana. No entanto, não é nada fácil atribuir uma cronológica a este tipo de lagar pois, nos nossos meios rurais, foi utilizado até períodos muito recentes. Com efeito, a população mais idosa de muitas aldeias da Beira Interior, onde a vida decorreu sem grandes alterações ao longo de séculos, lembra-se de utilizar esses lagares para fazer vinho.

Sabemos que na Península Ibérica o cultivo da vinha e a produção do vinho já estava presente em épocas anteriores ao período romano. Assim o comprovam as análises polínicas e o aparecimento de grainhas em alguns sítios arqueológicos pré-romanos como a Quinta do Almaraz (Almada). Mas não se comprovou, ainda, a produção de vinho antes da chegada dos romanos. O vinho consumido nessa região poderia ser importado da zona do Mediterrâneo. Estrabão escreve mesmo que os montanheses do interior da Península Ibérica eram consumidores, por excelência, de bebidas fermentadas a partir de cereais e, por isso, distinguiam-se dos povos do Sul, mais habituados ao consumo de vinho, considerada a bebida dos povos “civilizados”. No entanto, o vinho não era desconhecido entre os rústicos montanheses. O mesmo Estrabão na sua “Geografia da Ibéria” afirma que quando conseguiam obter vinho bebiam-no logo, organizando para isso uma festa. Só com o domínio romano se terá generalizado o cultivo da vinha e o fabrico do vinho.

Em muitos sítios arqueológicos os lagares escavados na rocha encontram-se entre ruínas arqueológicas romanas sendo possível observar telhas romanas e, por vezes, restos de muros. Nestas situações é muito provável que se esteja em presença de um lagar romano integrado num edifício do mesmo período. É o caso de um lagar escavado num penedo das proximidades da aldeia do Azinhal (Almeida) ou de um localizado nas proximidades da Barreira (Marialva, Meda).

Mais difíceis de datar são os lagares que aparecem isolados no meio de vinhedos ou em zonas de matagal, afastados de qualquer contexto arqueológico. Para estes últimos, só se poderá atribuir uma cronologia muito lata que, no actual território da Beira Interior, vai desde a época romana à época contemporânea.

Outros elementos arqueológicos que remetem este tipo de estrutura para a época romana são os pesos de lagar com encaixes laterais para fixar o malus. Com efeito, os pesos romanos distinguem-se dos pesos medievais e modernos por possuírem entalhes laterais enquanto estes últimos possuem um furo central no topo onde encaixava o malus.

Os lagares de pequenas dimensões eram utilizados para a produção de vinho para auto-consumo. A escassa quantidade de uvas disponíveis não justificava a escavação de um lagar no duro granito ou a construção de raiz de um edifício para o lagar. Curiosamente, em épocas muito recentes alguns lagares foram improvisados, aproveitando-se antigas estruturas que nada tinha a ver com a produção de vinho. Em Cidadelhe (Pinhel), uma sepultura antropomórfica escavada na rocha foi reaproveitada como um lagar improvisado. Ainda há pouco tempo vimos grainhas de uvas no interior dessa sepultura medieval.

No próximo texto escreveremos sobre as formas de armazenamento do vinho na Antiguidade, a maioria delas ainda em uso nas nossas aldeias.

Por: Manuel Sabino Perestrelo

perestrelo10@mail.pt

Comentários dos nossos leitores
pedro figueiredo rpfigueiredo63@hotmail.com
Comentário:
estes lagares são um legado que os nossos antepassados nos deixaram, é pena que estejam tão mal preservados e conservados. Tal património merecia mais atenção e recuperação pelas várias entidades responsáveis.
 

Sobre o autor

Leave a Reply