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José Berardo – ad laudem

Quando o muito rico, muito generoso, requintado e muito exponenciado mecenas Caillebote – ele próprio um pintor excepcional que deixou deslumbrados os seus amigos impressionistas, quando, na 2ª Exposição destes, em 1876, apresentou Os Aplainadores de Parquet; e nos continua a deslumbrar, v.g., com Homem Jovem à Janela – quando Caillebote, dizia, em 1894, legou ao Estado francês, em testamento, a sua colecção, da qual 65 eram obras impressionistas, o Estado francês não ligou, digamos, nenhuma importância ao facto até que – em 1897 – lá se decidiu a aceitar 38 quadros. O executor do testamento foi outro cume cimeiro – Renoir.

É claro que os impressionistas eram motivo de chacota por parte dos críticos oficiais e dos cânones académicos e, por isso, não admira que os museus nacionais franceses não estivessem preparados para a revolução pictórica que apresentava quadros “rudes, pouco trabalhados”, que protagonizavam o sentimento imediato em vez da objectividade das coisas ao modo courbetiano, realista.

A própria designação de “Impressionismo” foi o resultado de uma depreciação do crítico Leroy, quando da exposição de 1874, que os pintores realizaram no estúdio do seu amigo e fotógrafo Nadar.

Ou seja: mesmo numa cidade tão cosmopolita e de cimeira importância no domínio das artes, como era Paris, reagiu-se mal à beleza da novidade.

Há precisamente dois anos, jornais nacionais noticiaram repetidas conversações respeitantes à aceitação e instalação, por parte do Estado, da colecção Berardo – que se situa entre as 50 mais importantes do mundo.

Aquele que é – em absoluto – o nome maior de quantos escrevem na imprensa portuguesa de maior difusão (com quem, todavia, uma que outra vez não estou de acordo), Vasco Pulido Valente, declarava, há dias, que este é o país da crise intrínseca. E mencionava, ademais, o sector da Educação.

A Arte só existe se formos capazes de um exigente exercício ético, moral, cultural, de uma elevação que entenda a dimensão do luxo, da sensualidade, da serenidade, do espírito, como algo que nos deve ser peculiar. E os amantes da Arte são, digamos, uma epifania.

É aqui, precisamente, que Berardo está. Ouvi-o há dias na Antena-2 e leio agora o que os jornais dizem sobre a sua colecção.

Sem desprimor, como pode falar-se de epifania para Durão Barroso – que, agora, na Europa, está a mostrar o que vale – e tutti quanti?

O Grego foi defenestrado dos liceus, a nível dos sucessivos Governos – retórica à parte – ninguém está em condições de ensinar Português aos portugueses – nem sequer ficam escandalizados com o vexame de cada vez menos pessoas o saberem falar e escrever – e a Arte é assunto para certos… excêntricos, digamos.

Que o turismo cultural se avantaje no mundo, com as mais salutares consequências, também não tem interessado aos que, em Portugal, detêm as rédeas do Poder. Por isso, não é apenas de louvar que este Governo queira conduzir a bom porto a questão da colecção. Tem todo o meu apoio e que ela fique para sempre entre nós. Isto é, nada do acervo tem que ir para França – tal qual o canaletto de Champallimaud não tinha que sair do nosso País. Quem acredita – para não ir mais longe – que Espanha ou França, deixassem assim sair tesouros únicos, inestimáveis, das suas fronteiras?

Um homem como Berardo, talvez um humilde madeirense que, mourejando fora da sua terra, conseguiu uma prosperidade imensa e – sobretudo – pelo seu amor à Arte se alcandora e afirma a categoria de deus, merece um intraduzível carinho por parte de todos os portugueses, estejam eles onde estiverem.

Fico verdadeiramente emocionado, Senhor Comendador, e terei os supremos gosto e honra de lhe dizer isto pessoalmente se/ quando nos encontrarmos.

A Pátria deve dar-lhe todas as agraciações e perpetuá-lo na toponímia. A absoluto justo título já tem um lugar na História.

Guarda, 25-XII-05

Por: J. A. Alves Ambrósio

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