Os arquitectos são psicanalistas dos lugares. Sondam-lhes o inconsciente, as memórias, os desejos, os segredos, os sonhos. Também os recalcamentos, os traumas, os complexos. Jean Nouvel sabe isto. Veste de preto e, no Verão, de branco. O cabelo rapado atira-o para outros tempos ou outros espaços. Fala muito do que faz e o que diz tornou-se inseparável de uma meditação sobre o mundo e o que nele construímos para nos dizermos humanos. Trabalhou com Virilio e tem um livro de conversas com Braudillard. É amigo de Rem Koolhaas (o da Casa da Música, no Porto), de Renzo Piano (o do projecto de Braço de Prata, em Lisboa), de Herzog e de Meuron, e vai criar com eles uma fundação para pensar a “especificidade” em arquitectura. Do passado, gosta de catedrais, dizendo que “as arquitecturas religiosas tocam o seu fraco pelas arquitecturas da luz”. Elege a Sainte-Chapelle, Chartres, Notre-Dame de Paris e as igrejas românicas. Acha que, na arquitectura árabe, encontramos a mesma relação com a luz. Considera-se herdeiro do estruturalismo, tem a obsessão do “contexto” e da “desmaterialização”, pensa que a arquitectura é “cosa mentale” (diz: “Espero ser ‘um pouco’ intelectual! Mesmo se é preciso meter os pés na lama, é essa relação que permite às ideias materializarem-se. O arquitecto é um transmissor que conta histórias e as faz passar por realidade”). Gosta de gostar e de não gostar. Ganhou recentemente o Prémio Pritzker. Tem obras pelo mundo, de Paris a Nova Iorque, de Barcelona a Kuala Lumpur, de Londres a Seul. E, se não falharmos mais uma vez, terá uma obra em Lisboa. Eu gosto da sua renovação da Ópera de Lyon e da Fundação Cartier, em Paris, mas não gosto do Museu du Quai Branly e da ampliação do Centro Reina Sofia, em Madrid. O caso das suas embalagens do chocolate Nestlé, retiradas depois do mercado, mostra que, não raro, a vida é nos pormenores que surpreende.
Numa entrevista recente, foi de uma pontaria que nos alcança: “O pior invade todos os lugares. É o problema da globalização. Eu bato-me por uma arquitectura ‘específica’ contra os modelos ‘genéricos’. A favor das obras que são testemunho de uma época e contra as construções ‘corporate’. Denuncio os imóveis pára-quedistas, posados sem qualquer relação com o lugar onde chegam. Há duas espécies desses imóveis: os ‘edifícios-tipo’, que funcionam em qualquer parâmetro, bastando mudá-los no computador para variar os modelos; e as obras de autor, sempre as mesmas, qualquer que seja o sítio. Nos dois casos é uma catástrofe, não se sabe mais onde se está. Seja ou não espectacular, esta arquitectura contribui para o nosso mundo de clonagem. Eu considero que a minha arte é a de ir contra isto. Cada lugar, cada cliente, cada cidade tem direito a uma reflexão. Penso que o resultado da minha intervenção deve fazer vibrar o que se encontra próximo. Eu procuro a peça que falta no puzzle.”
A arquitectura como imaginação racional e ficção terrestre. Como termómetro da febre, regra do jogo, prova da conta, corda do autómato, métrica do mundo. Mais: a arquitectura como meta física. Jean Nouvel sabe que o tempo não tem outros deuses senão os que criarmos com os templos que construirmos.
Por: José Manuel dos Santos