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IPPAR classifica duas vezes campo da Batalha de S. Marcos

Homologação enquanto Monumento Nacional pela antecessora da actual ministra da Cultura nunca chegou a ser publicada em “Diário da República”

O campo da Batalha de S. Marcos, em Trancoso, foi classificado Monumento Nacional por duas vezes pelo Conselho Consultivo do IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico). A situação insólita deve-se ao facto da primeira homologação, pela ministra da Cultura Maria João Bustorff em 2004, nunca ter sido publicada em “Diário da República”, pelo que ficou sem efeito. Há dois meses atrás a área foi novamente considerada Monumento Nacional, faltando agora o despacho de homologação de Isabel Pires de Lima e a respectiva publicação.

O que deverá acontecer até ao final do ano, espera José Afonso. O director regional do IPPAR de Castelo Branco recorda que «o trabalho já estava feito, bastou apenas retomá-lo e deliberar pela classificação», reconhecendo que o contratempo também ficou a dever-se à queda do Governo de coligação PSD-CDS/PP no final de 2004. No entanto, Júlio Sarmento não deixa de estranhar o sucedido, embora admita que o percalço não teve grandes consequências no desenvolvimento do projecto de recuperação, requalificação e valorização daquele terreno, situado a Sul da cidade. «Actualmente é o mais adiantado dos três campos de batalha que vão integrar a rede dedicada às Guerras da Independência. Nas duas campanhas de escavações já realizadas foi descoberto algum material e a antiga capela de S. Marcos, que foi queimada pelos castelhanos», refere o autarca. Para este ano está prevista mais uma prospecção arqueológica na zona onde se supõe que esteja a vala comum onde foram enterrados os corpos de 400 cavaleiros castelhanos mortos na batalha.

Entretanto, a Fundação Batalha de Aljubarrota, parceira da autarquia nesta iniciativa, já contratou o arquitecto que vai elaborar o Centro de Interpretação, enquanto a Câmara de Trancoso prepara-se para adquirir o terreno necessário à sua construção. «Espero que o projecto de arquitectura fique pronto até Fevereiro do próximo ano para ser candidatado ao Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN)», acrescenta Júlio Sarmento, para quem toda a intervenção em S. Marcos poderá ser inaugurada em meados de 2009.

«Será o segundo campo de batalha valorizado em Portugal, depois de Aljubarrota, e uma mais-valia em termos turísticos para Trancoso», adianta, sem adiantar o valor do investimento necessário. O presidente espera juntar este argumento a outros que se perspectivam para a cidade, como museus, os centros de interpretação da Cultura Judaica e de Bandarra, a requalificação do castelo ou mesmo os projectos comerciais. De resto, o edil acredita que «o “cluster”» de Trancoso é a sua tradição comercial.

Para José Afonso, a valorização do campo da Batalha de S. Marcos é «um trunfo muito grande» para a cidade e para a região. «É um sítio histórico da maior relevância para o país, pois foi graças às batalhas de S. Marcos, Atoleiros e Aljubarrota que se conseguiu a independência de Portugal», recorda. O arquitecto considera mesmo que «não fazia sentido que o local não fosse recuperado e preservado», reconhecendo que Trancoso é a cidade da Beira Interior com maior sucesso no turismo cultural. «Este ano teve mais cerca de 30 mil visitantes comparativamente ao anterior, muito por culpa dos turistas de origem judaica», revela. O campo da Batalha de S. Marcos vai integrar uma rede nacional de locais históricos evocativos das Guerras da Independência (1383-85), juntamente com Atoleiros e Aljubarrota. O projecto contempla prospecções arqueológicas, a requalificação paisagística do local, percursos pedonais para o centro histórico e o castelo de Trancoso, bem como a reconstituição da batalha uma vez por ano. Quanto ao Centro de Interpretação, deverá ser o centro nevrálgico do local, disponibilizando, de forma pedagógica, informação sobre a batalha, a História de Portugal e expondo os achados descobertos no campo.

“A pão e laranjas”

Recorde-se que a Batalha de S. Marcos foi travada a 29 de Maio em 1385 e considerada pelos historiadores como uma das mais importantes da História de Portugal. É ainda encarada como o prenúncio da decisiva Batalha de Aljubarrota, a 14 de Agosto do mesmo ano, que consolidou a autonomia do país, entregando definitivamente a Coroa Portuguesa ao heróico Mestre de Avis, D. João I. Segundo reza a lenda, a contenda deixou os castelhanos “a pão e laranjas” e ainda hoje esses produtos são distribuídos às crianças das escolas locais, simbolizando o estado dramático em que ficaram os castelhanos. Apesar da inferioridade em armas e homens, os portugueses saíram vencedores de uma luta que, segunda a história, foi renhida. «Os golpes eram tão grandes e espessos que se ouviam em Trancoso», conta Fernão Lopes, na “Crónica de D. João I”, e apesar da superioridade numérica dos castelhanos, «foram vencidos e mortos todos os homens de armas não escapando nenhum, salvo alguns ginetes e pajens. Os capitães foram todos mortos, ficando apenas Pêro Soares de Quinhones para contar o feito», escreveu o cronista.

Luis Martins

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