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Investimento de 370 milhões em estradas secundárias para “contrabalançar” portagens

Ministro das Obras Públicas admitiu estudar a distância de isenção na A23 para os residentes

O Governo não arreda pé da intenção de introduzir portagens na A23, apesar da generalidade dos autarcas da região serem contra a medida. Contudo, António Mexia, ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que apresentou em Belmonte um “pacote” de obras em estradas secundárias da região no valor de 370 milhões de euros, admitiu rever os 30 quilómetros de distância de isenção para a população residente.

Mexia esteve em Belmonte na última sexta-feira numa reunião à porta fechada com autarcas da Beira Interior para falar sobre o fim das SCUT e apresentar alternativas. O governante realçou que o encontro pretendeu demonstrar a «realidade inequívoca» da «insustentabilidade» das ex-SCUT. Para além da questão da isenção para os locais, um dos «pilares» desta nova solução, o ministro abordou ainda algumas obras a realizar em estradas secundárias na região, que integram o Plano Rodoviário Nacional de 2000 e que representam um investimento de 370 milhões de euros. «Estamos a falar claramente em garantir que se consegue finalmente a coerência do sistema rodoviário», até porque «todos os estudos demonstram que as estradas secundárias e municipais são mais importantes que as próprias auto-estradas», realçou António Mexia. Entre as obras que vão ser lançadas na região e funcionarão como «alternativa» à auto-estrada encontram-se algumas vias reivindicadas há muito pelos autarcas. É o caso dos troços do IC6, entre a Covilhã e Unhais da Serra, e do IP2 para ligar Trancoso ao IP5, das ligações Marialva-Pinhel e de Penamacor ao IP2, das variantes a Gouveia e à Covilhã, da rectificação da Nacional 221 entre Pinhel e a Guarda, e das beneficiações das EN 226 e 346, respectivamente, entre Vila Franca das Naves e Pinhel, e Penamacor e Rio Torto.

Segundo o ministro, os autarcas reconheceram a importância de «compatibilizar a A23, uma via estruturante para esta área, com a necessidade absoluta de resolver questões que têm a ver com as ligações às sedes de concelho. O ideal era que tudo fosse gratuito, mas isso é impossível e o que não queremos é hipotecar o nosso país», frisou. Em relação ao regime de isenção para os residentes, o ministro explicou que vai funcionar «preferencialmente através de um sistema electrónico em que as pessoas escolhem um determinado ponto a partir do qual partem todos os dias», dispondo depois de um raio de acção de isenção «de acordo com aquilo que é a mobilidade típica» na região. Desta forma, António Mexia deixou em aberto a possibilidade do raio de 30 quilómetros inicialmente avançado poder ser revisto. «Estamos neste momento a trabalhar na calibragem do modelo», adiantou, confirmando a sua implementação até Março de 2005, sendo que os estudos em curso estão a privilegiar a questão da mobilidade de acordo com «os interesses das populações locais».

À espera do ministro esteve um grupo de manifestantes afectos à CUABI – Comissão de Utentes da Auto-Estrada da Beira Interior que pretendia entregar «um caixote do lixo cheio de recibos de portagem, que é para onde a medida deve ir e o próprio Governo também», disse Luís Esperança. Contudo, o governante não parou mas disse que seria «de estranhar se toda a gente estivesse de acordo». E acrescentou: «Se as pessoas olharem para a realidade e para os números em causa perceberão que é preciso fazer escolhas sob pena de consagrarmos aquilo que não queremos, que é o subdesenvolvimento». Entretanto, a CUABI vai continuar a lutar e amanhã promove uma marcha-lenta na A23, a partir das 17 horas, com concentração em vários locais. Na Guarda, na estação da CP, em Belmonte, no Campo de Futebol, em Caria, junto à Carveste, na Covilhã, no Campo das Festas, no Tortosendo, no Parque Industrial, e no Fundão, no pavilhão multiusos.

Reacção dos autarcas

Manuel Frexes,

presidente da Câmara do Fundão

«Esta questão tem que ser avaliada segundo o princípio de que quem quiser ter qualidade em boas estradas terá provavelmente que suportar os seus custos. Mas há outro princípio fundamental para nós, que é o da descriminação positiva, porque a A23 foi feita precisamente para desencravar o interior. Foi-nos dito pelo ministro que essa descriminação positiva seria assegurada através da isenção dos residentes, o que é fundamental. O ministro deixou ainda em aberto o raio de abrangência de 30 quilómetros. Portanto, ainda é uma matéria que pode vir a ser ajustada à mobilidade normal na nossa região, porque queremos que esta isenção seja abrangente e o mais ampla possível. De resto, faz todo sentido que o tráfego internacional pague portagens, porque elas são imputadas aos produtos quando chegam ao mercado».

Maria do Carmo Borges,

presidente da Câmara da Guarda

«Obviamente que sou contra as portagens, porque a A23 foi feita com a intenção de desenvolver o interior. Continuo a pensar que a A23 não terá portagens, uma vez que foi considerada transeuropeia gratuita, portanto, forçosamente, a A23 não virá a ter portagens. É bom que se tenha em conta que a auto-estrada da Beira Interior foi feita sobre troços do IP2 que já estavam construídos, troços esses que foram feitos com dinheiros comunitários. A própria lei dos fundos comunitários determina que se essas vias forem feitas para dar dinheiro, o Governo português terá que o justificar e dizer porquê. Portanto, tudo isto me leva a pensar que a A23 não terá nunca portagens. Não temos alternativas à A23».

Carlos Pinto,

presidente da Câmara da Covilhã

«O ministrou trouxe dois aspectos novos em relação à reunião que tivemos há cerca de um mês. O primeiro, o da descriminação positiva para um determinado perímetro que agora vai ser fixado. Em segundo lugar, um conjunto de estradas que, no caso concreto da Covilhã, são a variante à cidade e a ligação Covilhã-Unhais que serão anunciadas até ao final do ano totalizando cerca de dez milhões de contos de obra. Reafirmei também a minha posição de entender que não deve haver portagens. Essa seria a solução adequada para o nosso desenvolvimento e para acentuar os factores de qualificação nesta zona, mas enfim a posição do Governo é outra».

Amândio Melo,

presidente da Câmara de Belmonte

«Não posso estar de acordo com estas alterações que vêm defraudar as expectativas que tinham sido criadas antes. Mas a grande questão tem muito mais a ver com um desenvolvimento regional mais rápido e mais urgente que pretendíamos para esta região, porque temos tido os constrangimentos que são conhecidos e que levaram a que sejamos hoje uma região subdesenvolvida. Naturalmente que a A23 seria um elemento óbvio de desenvolvimento. Agora, estas alterações transformam-na numa estrada perfeitamente normal no contexto de todo o país quando penso que era aqui que se deveriam manifestar as tais descriminações positivas e atitudes concretas da Administração Central. É tempo do resto do país ser solidário com o interior. Isto é um passo atrás que se dá no desenvolvimento regional, na medida em que a isenção para os residentes num raio de 30 quilómetros é manifestamente insuficiente para tornar atractiva a instalação de novas empresas e também em termos de competitividade».

Joaquim Morão,

presidente da Câmara de Castelo Branco

«Saímos preocupados desta reunião. O ministro é muito peremptório no problema das portagens. Estivemos quase três horas a fazer valer os nossos pontos de vista. Vamos ver se valeu a pena, mas vimos o ministro muito empenhado em levar para a frente esta decisão. A única coisa que nos dão em troca são os residentes não pagarem num raio de 30 quilómetros, o que continua a ser penalizador para nós. A auto-estrada é uma mais-valia e nessas condições o nosso desenvolvimento fica prejudicado. É uma luta muito difícil que vamos travar».

Ricardo Cordeiro

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