Decorrido que está mais um burlesco episódio da nossa história recente, envolvendo o chumbo, mais do que esperado, pelo Tribunal Constitucional de várias normas do Orçamento de Estado para 2013, importa refletir nas razões para termos chegado ao interminável atoleiro em que hoje nos encontramos.
A novela que envolveu Miguel Relvas é bem simbólica de tudo isto. Alguém que sempre se comportou como um chico-esperto, já desde os tempos em que, na qualidade de deputado, “inventou” ter residência em Tomar só para poder receber as ajudas de custo correspondentes, resolveu um dia tirar um curso na farinha Amparo. Universidades privadas entretanto fabricadas a martelo, como a Independente no dossier Sócrates, ou a Lusófona no caso em apreço, serviram precisamente os objetivos deste tipo de gente. Vai daí, ser-se investido como “doutor” passou a ser muito fácil para alguns políticos da nossa praça.
No caso de Relvas o “problema” surgiu com a cadeira de “Introdução ao Pensamento Contemporâneo” do curso de Ciência Política e Relações Internacionais. Não vou aqui relatar os meandros das trafulhices em que, mais uma vez, o dito cujo se envolveu. Direi apenas que a «ação de controlo aos procedimentos de aprovação do aluno n.º 20064768 nas unidades curriculares que teve de realizar para a conclusão do curso», desenvolvida pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência, acabou por mandar tudo para o Ministério Publico, com o objetivo de fazer regressar o prevaricador à sua original e merecida condição de não licenciado. Mas qual o epílogo desta história?
Um dia destes Miguel Relvas ascenderá a um cargo de embaixador em qualquer sítio, a presidente do conselho executivo de uma empresa pública ou aparentada, ou a qualquer coisa parecida. Em nome dos altos serviços prestados ao país, diga-se desde já. Demonstrando que em Portugal compensa sempre, de algum modo, ser-se chico-esperto.
Mas o verdadeiro problema, não nos iludamos, não está em Miguel Relvas, na Lusófona, em Sócrates ou na Independente. Todos esses indivíduos e coisas são apenas a consequência do problema. A causa é algo bem diferente e mais difícil de apreender pelo comum dos mortais. Porque exige, antes de mais, que nunca se seja estúpido.
Einstein disse um dia que havia duas coisas que julgava serem infinitas. Uma era o universo, outra a estupidez humana. Mas que sobre o universo ainda não tinha bem a certeza. Ora, em Portugal, essa infinita e etérea estupidez pode ser materializada em cenários como aquele que passo a descrever. Se por acaso amanhã tivéssemos de ir a eleições, e o PSD fosse chefiado por, digamos, Duarte Lima, e o PS por personagem de equivalente quilate, alguém duvida que, ainda assim, seria um desses dois partidos a ser o mais votado?
Este é o verdadeiro problema de Portugal e está na origem de um sistema que depois permite escandaleiras como a da licenciatura de José Sócrates e de Miguel Relvas. E muitas outras coisas, como sermos hoje governados por um Passos Coelho.
O problema da estupidez, falando genericamente, começa pelo facto dos estúpidos não terem normalmente a menor consciência do dano que causam, seja a si próprios ou aos outros. Isso foi patente no caso de Miguel Relvas. Prejudicou a Lusófona, o partido, o país e a si próprio. Mas a coisa não fica por aqui.
É que há vários tipos de estúpidos, desde aqueles que, ouvindo uma história com duplo sentido não entendem nenhum dos dois, aos que, sendo completamente estúpidos, detêm ainda assim uma inteligência de tal modo aguçada que os próprios Deuses lutariam em vão contra a sua estupidez. Há quem diga que estes últimos serão os estúpidos mais perigosos. Eu não concordo. Para mim, os mais perigosos são mesmo aqueles que votam. Em Miguel Relvas ou em alguém do género.
Infelizmente…
Por: Jorge Noutel
* Deputado na Assembleia Municipal da Guarda eleito pelo Bloco de Esquerda