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Interior desavindo

Rendi-me há muitos anos ao desaparecimento paulatino do interior do país enquanto espaço territorial único, território social e espaço multicultural!

Desde o resultado daquele arremedo de referendo sobre a regionalização de 1998, patrocinado por um sempre titubeante António Guterres, que as últimas esperanças sobre alguma cedência da macrocéfala Lisboa se desvaneceram completamente. Esse referendo, se bem me lembro, apenas serviu para que os baronatos dos partidos do bloco central dos interesses pudessem gritar a plenos pulmões por um brinquedo que todos sabiam de antemão que nunca iria mudar o que quer que fosse.

Os exemplos para se combater a regionalização eram sobretudo a diabolização do modelo do Alberto João Jardim na Madeira (por sinal, um adversário da regionalização no continente) e de Jorge Nuno Pinto da Costa, um defensor claro da descentralização, que foi usado como cartaz de um papão contra Lisboa. Toda a classe política de Lisboa, a que por lá se vai insinuando entre ministérios, parlamento, restaurantes, bares, “night-clubs”, etc. quer perpetuar este estado de coisas, por isso não vale a pena estarmos aqui a exigir o que quer que seja para este interior desavindo.

Depois do governo anterior ter atirado para a Guarda a sede da EPAL, o atual governo resolve constituir uma empresa pública de gestão da floresta em Lisboa, empresa que pouco vai servir do que olhar para o Parque de Monsanto. Numa de Guterres, Costa decide dar ao Porto o Infarmed para dentro de dois anos de estudos e aluguer de instalações parir-se uma decisão dizendo que não há condições para a instalação do instituto no Porto. Com um pouco de sorte a Docapesca vem para a Guarda e a sede da Autoridade Marítima Nacional para Castelo Branco ou Portalegre.

O interior cada vez tem menos voz e se fizermos um exercício vemos que as entidades desconcentradas da administração central nas cidades do interior não decidem rigorosamente nada, nem tampouco são já ouvidas as pessoas para se elaborarem projetos de desenvolvimento e envolvimento económico e social deste país fora de Lisboa e de certa forma do Porto.

Do interior fala-se quando há incêndios, neve ou quando há uns assassinatos em série. No resto faz-se exatamente o mesmo que fazia o SNI (Secretariado Nacional de Informação) de má memória. Divulga o mel, o queijo, o azeite, uns enchidos e o vinho e tudo isto representa entre 1,35 a 1,8% do PIB português. Vêm cá as TV’s perguntar se está frio no Inverno ou se está calor no Verão e fazem uns programas do mais pindérico que pode haver, e que só não são matéria-prima para humoristas porque a maioria é má e só estão a enfadonhar o público porque se habituaram a encostar-se ao poder e aos poderzinhos adjacentes.

O drama de hoje começa a não ser apenas a fuga dos jovens para o litoral (Lisboa ou Porto), mas a falta de idosos para encher os equipamentos sociais disponíveis em demasia na região e que são um fator de fixação de gente nas mais recônditas aldeias do interior.

Estamos no princípio do fim de mais uma etapa de fim do interior e dispensam-se discursos e loas aos seus projetos messiânicos de desenvolvimento. Eu, pelo menos, faço o meu papel, e já nem ouço para não me incomodar.

Já nem o clero se quer por cá manter porque as receitas são cada vez menores. A bem dizer foram os padres os que começaram a debandada, acumulando os poucos que restaram paróquias em número significativo para as suas práticas. Deixaram de “prestar” uma série de serviços porque há cada vez menos contribuintes líquidos para as “obrigações da fé”.

Desejo-vos umas Boas Festas, com a certeza que para o ano estou a repetir o que aqui escrevi, provavelmente para cada vez menos gente que zarpa em busca de oportunidades que aqui não encontram.

Por: Fernando Pereira

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