O Ministério da Saúde está a estudar a concentração do tratamento do cancro com base nas conclusões de um estudo da Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas, que recomenda o fecho de serviços com menos de 500 novos casos por ano. Na região, segundo dados oficiais do ano passado, os hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco estão todos acima desse limiar mínimo, com destaque para os 1.142 diagnósticos realizados no Centro Hospitalar da Cova da Beira em 2008. A seguir surge o Hospital Sousa Martins com 695 novos casos e o Amato Lusitano com 600.
Esta ordem mantém-se relativamente às admissões para tratamentos, tendo havido 1.649 na Covilhã, 1.275 na Guarda e 814 em Castelo Branco. Mas será suficiente para as respectivas unidades oncológicas se manterem abertas? O futuro o dirá. Por enquanto, a discussão pública faz-se em torno das recomendações do documento “Requisitos para a prestação de cuidados em oncologia”, sendo que o coordenador nacional para este tipo de doenças, Pedro Pimentel, até já admitiu, na semana passada, no Parlamento que só possam fechar as unidades que tratem menos de 250 doentes por ano. Tal como o pretendido com a proposta de fecho das maternidades e dos Serviços de Atendimento Permanente (SAP) – que ainda não se concretizaram na região –, o Ministério da Saúde entende que um maior número de casos concentrado num único serviço permite «mais prática e mais competência» no tratamento dos doentes, além de resolver o problema da escassez de recursos técnicos, humanos e financeiros. Contudo, desta vez, o caso envolve a principal causa de morte em Portugal e muito poucos estarão dispostos a abdicar da proximidade deste tipo de tratamentos.
Na Guarda, a unidade oncológica tem um médico especialista e enfermeiros formados na área. «O Sousa Martins é dos poucos hospitais com unidades oncológicas e mantém um relacionamento privilegiado com o Instituto Português de Oncologia (IPO) de Coimbra. Tratamos acima dos 300 doentes, mas estamos à espera que se definam os critérios para tratamento», disse o presidente da Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda. De resto, Fernando Girão adianta que tem sido feito um «investimento importante» nesta área e que até gostaria de «ampliar» a unidade oncológica. «Esperamos continuar a tê-la, pois penso que não será um serviço em risco, mas falta definir os critérios», acrescentou, considerando que o Sousa Martins tem «todas as condições» para continuar a prestar cuidados na área da oncologia. «Temos uma unidade autónoma, temos uma boa parceria com o IPO, cujo director conta com a Guarda para os doentes residentes na nossa área de abrangência. O doente vai à consulta de grupo e toda a administração é feita aqui, assim como a quimioterapia, e alguma cirurgia, mas a radioterapia já tem que ser feita no IPO», explicou o responsável.
Um problema que poderia ter sido ultrapassado com a criação do Centro Hospitalar da Beira Interior: «Teríamos cerca de 400 mil habitantes e isso garantiria uma unidade de radioterapia e poderíamos ter todos estes doentes tratados na região. Como não avançou, continuamos a ter um défice de escala», referiu Fernando Girão. Quanto à criação desta rede, o presidente da ULS admite que «toda a concentração é fundamental para preparar novos métodos e mais qualidade nos serviços», já que «a pulverização que existe, com hospitais sem oncologista, também não é boa». Mas há o reverso da medalha. É que, com a sua entrada em vigor, «a acessibilidade será depois mais difícil para os doentes».
As recomendações
Os critérios recomendados assentam em normas internacionais e aponta 500 novos doentes por ano como mínimo para a unidade ser considerada eficiente. Já um serviço de oncologia precisa de mais de mil casos e um centro oncológico, mais diferenciado, exige pelo menos dois mil. Actualmente, enquadram-se neste último requisito os hospitais de Almada, Amadora, Lisboa Ocidente, Sta. Maria, S. José, S. João, Sto. António e os IPO. A Coordenação Nacional para as Doenças Oncológicas estipula que um serviço só deve fazer cirurgias de cancro se ultrapassar as 50 operações anuais à mama e urológicas; 30 ao estômago, recto e ânus, cólon, fígado, cabeça e pescoço e pulmão; 20 ao pâncreas, ossos e melanoma e 15 ao esófago. Segundo o diário “Público”, citando dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2008, os hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco efectuaram, cada um, mais de 100 cirurgias oncológicas.
Rede de cuidados oncológicos prevê «mais respostas e com melhor qualidade»
A ministra da Saúde diz que a rede nacional de cuidados oncológicos prevê «abrir mais respostas» e com «melhor qualidade» para o tratamento do cancro.
O projecto de rede nacional de cuidados oncológicos, que está em discussão pública, estabelece, entre outros “requisitos mínimos”, que as unidades só funcionarão se detectarem 500 novos casos por ano e só haverá serviço de Oncologia nos hospitais com pelo menos mil novos doentes por ano. Questionada sobre o possível fecho de unidades que não reúnam requisitos mínimos, Ana Jorge afirmou que «o que está no plano é abrir mais respostas» no Serviço Nacional de Saúde «para tratamento do cancro», acrescentando «não só mais, como de melhor qualidade». «Estamos a falar é da qualificação dos requisitos necessários para que todos os portugueses que tenham uma situação de cancro possam ter de uma forma equitativa acesso ao tratamento adequado», disse a ministra, na semana passada, em Lisboa.
Instada a comentar se o processo relativo às unidades de tratamento oncológico é semelhante ao do fecho de maternidades, Ana Jorge respondeu que «poderão estar em cima da mesa algumas situações», mas esclareceu que «dizer que as situações terapêuticas podem ser centralizadas não quer dizer que os tratamentos sejam aplicados centralizadamente», referindo que há tratamentos que podem ser aplicados em locais mais próximos dos doentes depois do esquema terapêutico ter sido feito. De resto, a governante referiu que, neste momento, «não está em cima da mesa da ministra da Saúde nenhuma proposta», lembrando que o projecto está em discussão pública e só depois de todos os pareceres serem reflectidos é que será feita a proposta.
«Apelo à população em geral que entenda que, se quer ter bons tratamentos, deve ouvir os pareceres técnicos, tendo em conta que nós vamos cuidar das assimetrias» que existem em Portugal de acesso ao tratamento e que o projecto tem como objectivo «aumentar a qualidade do tratamento oncológico», sublinhou. Apelou ainda aos profissionais de saúde que tratam as neoplasias que analisem as ideias que estão em discussão e dêem a sua opinião.
Luis Martins