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«Honi soit qui mal y pense»

Jogo de Sombras

1. Pior foi a emenda que o soneto. Em dois jantares, a “oposição silenciosa” a Ana Manso conseguiu duplicar a lista de comensais. Só que, cumprida a «análise da situação política», pouco mais restou aos 50 militantes do PSD da Guarda senão pagarem a conta e prantearem o fracasso. A líder distrital deixou que tomassem a sobremesa sossegados e, já de madrugada, mandou servir-lhes o digestivo: tornou pública a decisão dos órgãos nacionais do partido de manter válida a convocatória das eleições de domingo passado para a Concelhia. Fora de prazo para a apresentação de listas, como convinha, afastado qualquer hipótese regulamentar de oposição à candidatura de um grupo de fiéis apaniguados. Couto Paula, António Mendes, José Cunha e Carlos Gonçalves são agora os rostos de fachada do PSD na Guarda e só farão o que Ana Manso mandar, porque os lugares de nomeação política que todos têm constituem a mais segura penhora sobre o silêncio e a obediência. A deputada saiu vencedora sem esforço desta batalha breve, revelando que se movimenta com confortável traquejo na alta-roda do partido e que tem, enquanto deputada, um estatuto muito superior àquele que a imagem árida que cultiva nas tricas do meio político local deixa crer. De nada valeram aos opositores as dúvidas sobre a legitimidade da convocatória eleitoral, sancionadas pela decisão Conselho de Jurisdição Distrital de anular o processo. Pouco importa se os métodos foram ínvios ou se as assinaturas para a queda da anterior Comissão Política foram recolhidas de maneira irregular. Entre um jantar e o outro, Ana Manso identificou os transgressores, isolou-os, deixou-os convencerem-se de que tinham ganho a partida e esperou para ver quantos mais eram. Na hora que lhe apeteceu mostrou-lhes como é que se trabalha nos bastidores. Dir-se-ia que, tal como o chefe, Ana foi influenciada pelo maoismo: «Que cem flores desabrochem e cem escolas de pensamento rivalizem…». Agora que sabe quem são, aplicará a máxima que já demonstrou ser-lhe característica: «honi soit qui mal y pense». Estão tramados. Não tanto os militantes da velha guarda, os que serviram e traíram noutras eras, os que têm boas reformas, os que permaneceram na quietude até perceberem que um mandato dos piores está a tornar possível a conquista da Câmara ao PS e quiseram tomar o poder em cima de uma onda fácil. Estão desgraçados os outros – os que ainda no outro dia bajulavam e louvavam a líder, os que dependem do partido, os que vivem subordinados ao maioral, seja ele qual for, e que mudaram de barco a pensar que o reinado desta ia a caminho do fim.

2. O que moveu Ana Manso nesta cruzada foi o ter percebido três coisas. Primeira: que nos últimos meses se tinham filiado no partido dezenas de militantes novos ou retornados, para formarem a falange de uma candidatura anti-sistema às eleições para a Concelhia da Guarda, provavelmente liderada por Jacinto Dias. Segunda: que o objectivo era, em ganhando a Concelhia, indicar um candidato a Presidente da Câmara que pudesse ter melhores hipóteses de ser eleito. Terceira: que uma parte significativa do inner-circle estava a alinhar com aquele grupo. Teve o desagravo – mas para quê? Percebe-se, até nas entrevistas que deu no auge da crise (basta ler a que saiu no último «Jornal do Fundão»), que faz questão de ser outra vez candidata à Câmara da Guarda. Mas a ânsia da desforra fá-la não perceber que está a pisar num terreno escorregadio. Quem se vai apresentar a sufrágio não é a dirigente do grupo parlamentar do PSD que se destacou como coordenadora da Comissão para a Igualdade e Família ou que tem aparecido nas primeiras páginas pela postura racional que assume na questão da despenalização do aborto. Quem vai aparecer no cartaz é a deputada pela Guarda que não consegue trazer para o distrito um plano de investimento público que se veja; é a vereadora da oposição que tem feito um mandato apagado; é a dirigente política local intolerante e desgastada. Candidatando-se, estará a fazer um favor ao PS, com ou sem Maria do Carmo. As próximas eleições poderão não passar de mais do mesmo, para onde quer que se olhe. Para mal de nós.

Por: Rui Isidro

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