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Haveria necessidade?

Entrementes

I – A hora poderia ser outra. Mas não. Naquele dia a notícia entrou-me casa dentro bem na hora sagrada da refeição. Entre duas garfadas um olhar de soslaio para a televisão e eis que vejo gente conhecida da nossa praça. A notícia informava que a Câmara Municipal da nossa tão querida cidade decidira distribuir as sobras do refeitório a munícipes com necessidades. Apurado o ouvido ouço e não acredito… Então não é que a nossa autarquia está a dar sobras, sim sobras, aos pobres cá do burgo? Uma bela atitude diga-se. Uma atitude que, para além do mais, evita desperdícios ao tempo que se assume uma atitude solidária perante os desafortunados da vida. No entanto surgem-me logo duas perguntas:

Havia necessidade de tornar pública a acção?

Havia necessidade de expor pessoas que, para mal dos seus pecados, já têm a sua pobreza e a dos seus?

Parece-me que não. Parece-me, parafraseando o diácono Remédios interpretado por Herman José, que “não havia necessidade…”. Desta forma apenas se expôs perante milhões de telespectadores a pobreza de uma família que tem a pouca sorte de viver num país madrasto que não cuida, ou cuida mal, dos seus cidadãos. Desta forma apenas se divulgou aquela atitude tão portuguesa de uma certa caridadezinha:

– Ai, coitados, demos-lhe um naco de pão, duro que seja, para entreter a maldita. Demos-lhe as sobras da nossa riqueza. Demos-lhe o resto da fartura que nos ajudaram a ter na mesa.

Realmente não havia mesmo necessidade… Melhor seria se no nosso Portugalzinho fosse possível a todos sobreviver em vez de subviver e que o Estado assegurasse um mínimo de condições para que tal fosse uma realidade e não se assistisse, em pleno século XXI, ao estender da mão envergonhada à caridade alheia para poder dar de comer aos filhos. Melhor seria que o Estado cortasse nos milionários salários e nas mordomias distribuídas a esmo a amigos e compadres e redistribuísse por aqueles a quem a deusa fortuna não bafejou.

II – Um senhor ex-ministro agora nomeado para alto cargo com não menos alto salário vem dizer, sem vergonha na cara e com o maior à-vontade, achar naturalíssimo receber em simultâneo a choruda reforma. Olhasse ele para o lado e veria casos como os daqueles que vão estender a mão às sobras de um refeitório exactamente no mesmo país em que ele vive como um nababo.

Haveria necessidade?…

III – Depois de os jovens e os professores terem sido aconselhados a emigrar veio agora um senhor governante aconselhar o mesmo aos pastéis de nata. Isso sim seria o resolver da crise!… Como é que ninguém se lembrara ainda disso? Andamos mesmo distraídos… Pois aí está a solução: invadimos os outros de pastéis de nata e diabetes. Adoçamos a bico à senhora Merkel, empanturramos o Sarkozy, vencemos a troika pelo palato e aí está a guerra ganha. Mais, promova-se já e em força (onde é que eu já ouvi isto?…) uma petição para promover a substituição na bandeira nacional da esfera armilar pelo pastel de nata, esse sim o nosso verdadeiro desígnio futuro…

Ouve-se e não se acredita. Haveria necessidade de cair no ridículo? Realmente este país anda muito mal frequentado… Será que o melhor é mesmo emigrar?…

Por: Norberto Gonçalves

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