Cultivar a terra já não é uma simples questão de vocação ou gosto, mas também uma necessidade. Porém, os projetos de hortas urbanas e sociais desenvolvidos pela Quinta da Maúnça e pelo Centro Paroquial da Sé, na Guarda, continuam sem adesão por parte dos mais necessitados.
Ludovina Margarido, coordenadora da Quinta da Maúnça, é a primeira a destacar esse facto: «Curiosamente, os mais carenciados, que consideramos prioritários, não aderem ao projeto. Mostram-se interessados e depois não aparecem», refere. O projeto da Quinta, criado em 2009, consiste em hortas de produção biológica, a serem cultivadas por quem queira aliviar a carteira ou simplesmente as “ideias”. Sem renda mensal, há apenas regras a cumprir, entre as quais a não utilização de químicos e pesticidas. Também Fátima Costa, diretora técnica do Centro Paroquial da Sé, estranha a ausência de carenciados nas hortas disponibilizadas: «Desenvolveu-se a ação para auxiliar quem nos vinha pedir ajuda, para tratarem e usufruírem dos produtos. Mas foram lá uma vez e nunca mais voltaram», recorda.
Contudo, são cada vez mais os «que nos vêm bater à porta a pedir apoio na alimentação. Já a procura das hortas sociais não sofreu alterações», salienta Fátima Costa. Iniciado há três anos, o projeto também não tem custos, apenas regras comportamentais. A falta de interesse nesta alternativa de cariz social fez com que a organização repensasse o conceito. Atualmente, as hortas do Centro Paroquial dependem de voluntários: «As pessoas contribuem com parte dos seus produtos para o Centro, que dá ou vende para ajuda social. Há voluntariado em todos os processos», informa a diretora técnica. Esta foi a solução encontrada para manter “viva” a motivação solidária, quase apagada pela ausência do público-alvo original.
Por sua vez, Ludovina Margarido realça o aumento de adeptos da produção agrícola, pelo que, «ultimamente, é atribuída uma horta por semana» e os emails em busca de informação são cada vez mais. A ajuda da coordenadora da Quinta da Maúnça é solicitada por aqueles que querem investir na agricultura, mas não sabem o que fazer ou a quem se dirigir: «Procuram sobretudo aconselhamento técnico. Muitos estão no desemprego e querem saber onde se podem candidatar a projetos ou precisam de informações mais específicas», adianta a responsável.
Bens essenciais para travar gastos
Mesmo com -4ºC, Fernando Santana deslocou-se anteontem até à horta que trata no Bairro das Lameirinhas. A renda dos terrenos é «amigável» e implica a entrega de parte da produção ao dono, situação que se prolonga há 27 anos, primeiro com o seu pai. Agora é ele quem se ocupa do espaço: «É importante tratar a terra, porque evita gastos. Além disso, distraímo-nos com as tarefas e dá para descomprimir», afirma o guardense, acrescentado que «há cada vez mais gente a cultivar hortas». Também António Loureiro produz hortícolas há 10 anos na mesma zona, um terreno com acordo idêntico. Oriundo da região do Douro, este residente diz ter começado «por gosto, mas isto é bom para tudo. É uma atividade calmante e contribui para atenuar as despesas mensais».
Conceição e Amândio Dias, de 37 e 38 anos, vivem nos arredores da Guarda e dedicam ao campo uma boa parte do seu dia. «É cansativo conciliar a agricultura com o emprego, mas continuamos a lutar, apesar de nem sempre sentirmos que vale a pena. Há três anos comprámos vacas e começámos a ter uma maior preocupação no que tratamos, até para precaver “males maiores”», conta Conceição Dias. O marido reitera a ideia e diz que a aposta é para continuar e até crescer: «Vamos continuar, dentro do possível, sobretudo para autossuficiência», diz Amândio Dias.
«Os interessados podem começar a cultivar já amanhã»
A Quinta da Maunça tem 10 talhões livres, com uma dimensão média de 35m2. As pessoas podem entrar em contacto com a Quinta e, caso haja disponibilidade de espaço «podem começar a cultivar já amanhã», indica Ludovina Margarido. Apesar da prioridade dada aos mais necessitados, qualquer pessoa pode aderir às hortas urbanas, sendo que a responsável garante orientação aos “novos” agricultores. Já os terrenos do Centro Paroquial estão quase todos ocupados, mas há abertura para falar com os interessados.
Sara Quelhas