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Guarda

Opinião

Faz frio. O nevoeiro denso tudo deforma e oculta, e o azul do céu é hoje impercetível. Da janela do meu quarto não vejo hoje os montes, as serras. Persistem lá, decerto, talvez trajados de branco. E os carros não ousam perturbar a tranquilidade de mais um domingo. São poucos os que empreendem sair das garagens. Circulam entorpecidos e silenciosos. A cidade ainda dorme. E ouço a chuva.

Recolhido na quentura do meu quarto escrevo. O tempo hostil assim o obriga. Escrevo sobre a minha cidade. A cidade da Guarda. Aqui vivo desde que me lembro, pelo que o meu parecer é seguramente parcial. Não necessariamente favorável… apenas parcial.

Desde sempre ouço ser uma cidade muito antiga. Hoje vejo-a velha. Padece do mesmo infortúnio de tantas outras. Está cravada no interior do país. E interior insiste em significar menos desenvolvimento, menos oportunidades, menos vida. Ficam os velhos, que arrastam sós o epílogo da vida. E será possível recriminar alguém? Não creio. Os jovens demoram-se por cá enquanto estudam. Concluído o ensino secundário é difícil permanecer. O politécnico, apesar do sucesso reconhecido, não é universidade. E trabalho há pouco. A escassa indústria tem vindo a esmorecer crise após crise. A agricultura cinge-se a pouco mais de uma fuga de fim-de-semana. O comércio tradicional sucumbe inevitavelmente ao êxito das grandes superfícies. E o turismo é apenas sazonal.

Não julgo, no entanto, inevitável reconhecer estes factos como fatalidades pessimistas. Vejo na carência de desenvolvimento tranquilidade, silêncio, paz. E vejo jardins e campos e matas. Vejo. Vejo porque a transparência do ar mo permite. E respiro pureza e saúde. Respiro esta cidade beirã cada vez mais à beira de nada.

Quanto ao futuro, não me atrevo a adiantar muito. Não creio necessário. De que valerão suposições arrojadas de algo tão imprevisível como o amanhã? Limito-me a constatar o evidente. A Guarda continuará a ser uma cidade interior, onde é visível uma versão comedida da azáfama e agitação dos grandes centros urbanos, onde o progresso é mais moroso e onde as oportunidades continuarão a rarear. No que ao meu futuro diz respeito, não acredito que convirja com o desta cidade. O ensino superior aproxima-se a passadas largas e não encontro na Guarda um lugar propício para investir. Ficará, contudo, arrecadada na memória esta importante fase da minha vida da qual esta bonita cidade foi palco.

Pedro Martins

* 17 anos, aluno do 12º ano na Escola Secundária Afonso de Albuquerque

Guarda

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