A criação da Fundação de Celorico da Beira foi declarada nula pelo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. A decisão surge seis anos após a Câmara ter solicitado, em 2003, o não reconhecimento da instituição presidida por Júlio Santos e vai implicar a devolução de imóveis, terrenos e verbas transferidas pelo município durante os mandatos do ex-autarca.
Num despacho datado de 10 de Julho, Jorge Lacão justifica o indeferimento de um pedido de reconhecimento por a Fundação não estar a cumprir os objectivos sociais para que foi criada – nomeadamente a instituição de uma escola profissional –, mas sobretudo por a Câmara não ter competência, à data da constituição da Fundação (1998), para «instituir fundações, pelo que o acto de instituição é nulo, não estando reunidas as condições necessárias para o respectivo reconhecimento», lê-se no documento a que O INTERIOR teve acesso. O curioso deste caso é que a instituição nunca chegou a ser oficialmente reconhecida pelo Governo, pelo que sempre funcionou à margem da lei. Entretanto, com base neste despacho, a Câmara, presidida pelo socialista José Monteiro, deverá mover uma acção judicial contra a Fundação por usurpação e apropriação indevida de património municipal, cujo valor não é conhecido e terá que ser apurado.
O caso tinha sido despoletado em Fevereiro de 2003, pelo presidente de então, António Caetano, pouco depois da autarquia ter comunicado ao Ministério da Administração Interna a sua saída dos órgãos sociais da Fundação – criada entre a Câmara e a Associação de Desenvolvimento Cultural de Celorico (ADCC) – e solicitado à tutela o apuramento da sua conformidade legal. Nessa altura, apenas a associação manifestou vontade em prosseguir com os objectivos da Fundação, tendo sido eleitos todos os corpos sociais do organismo. Uma solução que terá evitado o seu fim e a consequente restituição de todos os seus bens para o património da Câmara de Celorico da Beira. Em causa estão dois imóveis, um no Largo da Corredoura, que albergou a Escola Profissional Beira Serra, e o parque de leilão de gado, vendidos em 2001 pela autarquia por um preço simbólico de cinco euros cada (mil escudos na altura) à Fundação de Celorico da Beira para acolherem duas escolas técnico-profissionais diferentes.
Contudo, quer a escola de Artes, quer a escola tecnológica não passaram do esboço, tal como a própria instituição que, no início desse ano, perdeu o apoio da autarquia, a sua principal financiadora através de transferências de monta (algumas de 250 mil euros, por exemplo). Contudo, a transacção mais exorbitante diz respeito à venda do parque de leilões de gado à autarquia por 150 mil euros. Estima-se que os apoios concedidos pelo executivo no tempo de Júlio Santos ultrapassem largamente os 500 mil euros. No final de 2002, o presidente da Fundação ainda tentou obter a designação de instituição de utilidade pública, mas a autarquia escusou-se alegando dificuldades de avaliação por falta de documentos. Mais tarde, António Caetano – que tinha sido vice-presidente de Júlio Santos – veio finalmente esclarecer a posição do município no processo ao considerar que houve uma «alteração efectiva e substancial dos objectivos a que se propôs a Fundação aquando da sua criação, nomeadamente no que diz respeito ao apoio e criação de uma escola profissional, que até há data não está concretizada, sem que nos tenha sido prestado qualquer esclarecimento». Uma opinião que assentou num parecer jurídico, onde se defende que a autarquia pode reaver todo o património quando a instituição deixar de ter personalidade jurídica.
Luis Martins