Tenho uma sensação de comichão, um rebuliço na pele que os dedos esgravatam com doce fervura – é a urticária – o rubor da alergia. Vem um novo governo e um novo parlamento, chega um conjunto de gente conhecida e outra menos, todos com a satisfação de um lugar para cumprir, e todos com desejos de melhorar suas condições de vida. Hoje um nome grande da economia ou das empresas dificilmente vai para o Governo pois este paga mal, expõem muito e acarreta situações extremas. Pressuponho que ninguém está para servir, para se dedicar à causa pública. O que sabemos é que dos Governos transitam para empresas, para instituições, para gabinetes de opinião, para consultadorias, e desse modo podem aforrar após o pecúlio que o Governo não oferece. Esta necessidade de criar riqueza em detrimento da causa pública é muito típica dos dias modernos. Victor Constâncio voltaria ao Governo? Vara deixaria os Bancos? Dias Loureiro seria de novo candidato no PSD? Cadilhe retomaria o Governo? Há inúmeros exemplos desta transferência de quadros e de criação de bons lugares pós poder político. Jorge Coelho vive discreto, Oliveira Martins bastante caladinho, Penedos não bota palavra, Arlindo Carvalho desaparece entre os dinheiros do BPN. Este processo, a que chamo o do Malmequer, tem a ver com a relação inevitavelmente promíscua entre o poder e as empresas. Nasce da pobreza física, da falta de bens patrimoniais de muitos que chegam a governar. Chegam sem nada e têm de procurar melhor que os mil euros do lugar de recuo. Afinal os portugueses genericamente ganham pouco, dos autarcas aos deputados e dos operários aos juízes. Portugal é um país de pobreza concava, que se fecha sobre a sua miséria, criando e não mantendo, construindo e não regulamentando, fazendo sem ter projecto ou visão. Muitas obras trazem o favor escondido, o abraço da amizade viciada e triste. Depois todos têm alergia à descrição, ao carro pequeno, à casa alugada. Eles querem vivenda, apartamento de luxo, carro grande. São sonhos de gente material, de gente embebida deste licor sem utopia. O mal é não provarem nada na vida particular, não terem um percurso de trabalho, um curriculum intocável, ou um património inatacável. Claro que há excepções. Mas o caminho inverso, o do “bem me quer” seria vir das empresas, da gestão bancária, para o Governo perdendo milhares. Seria a oportunidade de servir Portugal. Disso não tenho tido excepções. Houve um dia Marcelo Rebelo de Sousa.
Por: Diogo Cabrita