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Glamour

Opinião – Ovo de Colombo

De todas as qualidades que o cinema clássico norte-americano cultivou, a mais fascinante e, mesmo assim, ou talvez por isso mesmo, a mais frívola, foi o glamour. Se eu pudesse definir este conceito sem algemas académicas responderia “o rosto da Garbo”. Não é o mais belo nem o mais sofisticado do cinema. Acontece que os seus “close-ups” têm valor próprio e a moeda que traduz tal valor é o “glamour”.

A palavra foi empregada pela primeira vez em “The Lay of the Last Minstrel” (1805), de Walter Scott, que a utilizou como significando uma transformação mágica, um processo de melhorar alguma coisa. “Glamour” significa isso mesmo e vai mais além: magia, elegância, sofisticação, exuberância, excesso, contemplação erótica (e às vezes roça o “kitsch”). “Glamour”, estando mais associado à vedeta feminina, é Garbo, Crawford, Turner, Hayworth e Monroe: todas elas, de origens humildes, deram vida ao sonho americano ao serem transformadas em sereias sexuais deslumbrantes, onde, perante o puritanismo norte-americano, o “glamour”, sinónimo de ostentação, compensava a pornografia. A estrela de Hollywood devia ser glamorosa. Isso era a regra. Obviamente que a indumentária é uma das questões chave para trabalhar o “glamour” (este não é algo natural). O exuberante e atrevido William Travilla que criou o “cai cai” cor-de-rosa de Monroe, o sofisticado Jean Louis que vestiu Rita/Gilda com o seu “tomara-que-caia” preto e a contemporânea e casual Edith Head que vestiu várias loiras de Hitchcock, foram alguns dos principais estilistas do Hollywood clássico. Embora o vestuário, e tudo o que diga respeito à imagem, contribua para construir o “glamour”, este toma forma também através da suavidade visual. O crítico Dominique Païni explica esta delicada ideia ao fazer referência a uma cena do filme a preto e branco “The Docks of New York” (Sternberg, 1928). A atriz, loira e vestida de branco, mistura-se com a parede da mesma cor que se encontra atrás dela. Há dissolvência, suavidade, gradeamento, “glamour”. O ator, por oposição, está vestido de preto e o seu contraste com a parede é notório. Nele não há “glamour”.

O escritor Stephen Gundle diz que o “glamour” é «inalcançável» mas igualmente «assimilável em parte». Isto é a qualidade própria das estrelas. São demasiado glamorosas para o mero espectador conseguir ser como elas. Porém, é possível adquirir uns pozinhos mágicos dessa transformação (um vestido, um penteado, um colar). Enfim, sofisticado e exclusivo mas algo piroso e democrático, a verdade é que o “glamour” ainda hoje nos fascina. E isso verifica-se quando o “close-up” do rosto da Garbo consegue continuar a congelar o tempo.

Miguel Moreira*

* Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Cinema pela Universidade da Beira Interior. Autor do blogue “Ziegfeld Boy”

Greta Garbo

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