A CP entendeu, nas últimas semanas, substituir o tradicional comboio Intercidades por uma renovada automotora, que a empresa diz ter todas as condições e mais algumas e cujo “lifting” custou qualquer coisa como 600 mil euros. Há 18 anos, a mesma automotora que agora sobe e desce os carris entre Lisboa e a Covilhã circulava na Linha de Sintra. Trata-se, portanto, de um reaproveitamento de material – apesar da CP argumentar que o anterior Intercidades era bem mais antigo, tendo sido fabricado entre 1967 e 1968, enquanto que o atual comboio só entrou ao serviço na década de 1970.
A decisão de introduzir o moderníssimo e requintadíssimo comboio vai permitir uma poupança de 1,5 milhões de euros por ano. Desde logo em combustível, porque as locomotivas têm um gasto superior. E depois porque a automotora dispõe de duas cabines de maquinista – uma atrás, outra à frente. E este detalhe marca toda a diferença: a CP deixa de ter de pagar à REFER para que esta disponibilize manobradores nas estações terminais para virar a máquina antes de fazer viagem em sentido contrário (é o Estado a pagar ao Estado). Evidentemente que ninguém duvida que agora, mais do que nunca, poupar é um mandamento vital. Mas poupar também significa gerir melhor e compreender as oportunidades de mercado. Uma empresa, seja privada ou pública, é obrigada a considerar as melhores hipóteses de negócio, de maneira a gerar lucro. Numa altura em que a A23 passará a ter portagens, desvirtuar e desqualificar o serviço Intercidades e desinvestir nos transportes públicos é uma decisão pouco inteligente. Mais do que nunca, este poderia ser um momento de ouro para a CP ganhar clientela.
Durante anos, as populações e os autarcas da Beira Baixa esperaram pela conclusão da eletrificação da Linha, que a CP fez crer ser vital. E, afinal, era mesmo vital para a empresa. Não para reduzir o tempo de viagem entre a capital e o interior ou para proporcionar melhores condições aos utilizadores, mas para introduzir automotoras elétricas. Mais uma vez, cortar na despesa significa sacrificar o consumidor.
Na comunicação social, a CP tem feito crer que o novo serviço tem qualidade. Mas que qualidade? Desde logo, o tipo de bancos é igual ao de um comboio suburbano – quando na Linha da Beira Baixa estamos a falar de uma viagem de cerca de quatro horas. Não existem cortinados e o serviço de bar foi substituído por duas máquinas de vending enfiadas à pressão numa das carruagens. Mas o mais surpreendente é que a carruagem de primeira classe difere muito pouco da de segunda classe. Só muda a cor dos bancos e há mais espaço porque há menos lugares. Mesmo assim, os utilizadores pagam mais pelo “luxo” de viajar em primeira classe. Aliás, apesar da mudança substancial no serviço, os preços mantêm-se os mesmos. A CP chega mesmo a argumentar que não existe um comboio Intercidades. O que existe é um serviço Intercidades, caracterizado por ligar as principais cidades do país e que «não está vinculado a um tipo específico de material».
Ou seja, o serviço Intercidades liga as principais cidades, seja de carroça ou de limusine.
De resto, a empresa já garantiu que esta será uma decisão definitiva. Sem qualquer consulta ou aviso prévio. E nem se pode colocar a questão do número de passageiros. Em 2009, utilizaram a Linha da Beira Baixa 288 mil passageiros. Até Agosto deste ano já viajaram 177 mil. Estima-se (e são dados da própria CP) que em cada serviço Intercidades circulem uma média de 128 passageiros. O anterior serviço já deixava muito a desejar, com atrasos constantes, em virtude da REFER não fazer a manutenção da linha como deveria (há bocados da Linha da Beira Baixa em que ainda existem travessas de madeira e pelo menos 25 locais onde o comboio só pode circular a 30 e a 50 Km/hora). A eletrificação e o arranjo da linha poderiam permitir um ganho em termos de tempo e de qualidade do serviço. E poderia ser uma forma de combater as assimetrias do território. Mas a verdade é que além de se vender gato por lebre ao consumidor, continua-se a fazer maus negócios. E isso é imperdoável. Como também é imperdoável que se mande fechar quase 40% da linha férrea do país.
PS: Para quê construir estações novas em folha no Fundão e na Covilhã se agora ninguém lá trabalha? Na maior parte do tempo nem funcionários há para vender os bilhetes.
Por: Rosa Ramos