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Gastar Melhor

Já não cai neve na Guarda como antigamente. Quando cai, é motivo de festa para os miúdos e de embaraço para os outros. Saem todos à rua, de câmaras digitais a tiracolo, à espera da perfeita oportunidade para uma bela fotografia com a neve em fundo. É pena a luz ser tão pouca e tão má. É pena também ser preciso trabalhar. É que, acreditem ou não, há ainda quem o faça nesses dias. Podem fechar as escolas e a maioria das repartições públicas, mas os tribunais não têm essa tradição. Para vergonha das testemunhas que obrigaram a adiamentos nos tribunais da Guarda, os juízes e os funcionários estavam no seu posto (e também os advogados, mesmo que vindos de longe).

Há outros, é verdade, que no último dia de neve consegui comprar o jornal como todos os dias, e tomar café no sítio do costume, isto numa cidade que parecia ter parado e esquecido que o Inverno é uma coisa que vem todos os anos e traz frio, chuva e, surpresa!, neve.

Passados uns dias houve outro adiamento no Tribunal do Trabalho da Guarda. Cheguei lá encharcado como um pinto, com as calças ensopadas de uma chuva gelada batida pelo vento. Ia começar a audiência de julgamento e o funcionário abriu a sala. Em cima da secretária do Juiz pingava água, vinda de vários pontos do tecto. Este, zebrado a toda a largura por fissuras no estuque, aparecia ominosamente abaulado na zona em que se sentariam advogados, juízes, procuradores. E, sabíamo-lo todos, por cima daquele tecto abaulado e a pingar estavam as muitas toneladas do arquivo do tribunal. A situação apenas podia piorar com a visão dos pesados lustres apontados sobre as secretárias dos advogados – debaixo de um tecto abaulado e rachado, ajoujado ao peso de muitas toneladas de processos mortos. Tínhamos aqui, parecia, uma perfeita metáfora, descritiva do estado a que chegou a justiça e álibi, também perfeito, do estado a que chegou o país.

Ontem, também no Tribunal do Trabalho, precisei de aceder à internet para confirmar a data da recepção de uma carta. Uma operação que no meu escritório demoraria trinta segundos, demorou ali quase dez minutos. Explicaram-me que os computadores eram velhos, que não tinham sequer 500 MB de RAM cada um, que a velocidade da internet era de 2 Mb (menos do que o mínimo do mais rasca dos fornecedores comerciais, ainda por cima a partilhar por vários computadores), que os processadores eram reles Celeron de tecnologia há muito ultrapassada, que o software em que trabalhavam era demasiado pesado para essas máquinas e que, às vezes, era precisa uma manhã para processar uma simples guia. Tudo muito pesado e muito lento, tudo igual à imagem que o cidadão comum faz da justiça.

Entretanto, num mundo distante e mais optimista, a oposição diz que os milhões a mais que a nova Lei das Finanças Regionais vai implicar são simples “migalhas” na mesa do orçamento. São migalhas, mas se fossem antes aplicadas na modernização do equipamento informático dos tribunais teríamos uma justiça (muito) mais célere e uma economia mais eficiente. E ainda sobraria dinheiro para o interminável foguetório da Madeira.

Por: António Ferreira

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