O Observatório de Ornitorrincos esteve ausente por dois meses mas regressa ainda a tempo de ser ouvido em audições pela Comissão de Ética. Se os senhores deputados não me chamarem a depor, estou disposto a ir à Assembleia, vestir uma t-shirt a dizer “Eu ainda não fui chamado a esta comissão” e distribuir fotocópias deste artigo a todos os deputados. E estou para ver ser Mário Crespo tem coragem de me convidar para o “Jornal das 9” ou se tem medo de rivalizar com a minha história de censura de autor amordaçado.
O autor destas linhas – eu próprio, que não tenho quem me faça isto, mas de vez em quando, por razões estilísticas, gosto de utilizar este jardelismo de falar de mim na terceira pessoa – tem fortes suspeitas (ou até fracas certezas) de que o governo endrominou um esquema maquiavélico para silenciar o Observatório de Ornitorrincos durante a crise das escutas. Eis os factos, que o leitor deve julgar de forma imparcial até perceber que a razão está com quem assina esta coluna: em Setembro, o governo publicou no “Diário da República” – no verdadeiro onde se publicam as leis, não no “Diário de Notícias” – um decreto assaz autoritário que me obriga, de uma forma atentatória à liberdade, a terminar o doutoramento até 2012 para manter o contrato de trabalho com a minha entidade patronal. Para esse efeito, fico agora sujeito a regimes de reclusão alargados, em contacto apenas com um MacBook e um monte de textos e livros sobre sociologia da cultura e outras superstições. Por causa desta maquinação diabólica do ministro Mariano Gago estive, literalmente, dois meses sem ver o Sol. Ao pé de decretos-lei desta estirpe, as conversas entre Joaquim Oliveira e José Leite Pereira para haver cuidadinho com as perguntinhas são um-do-li-tá de meninas. Por falta de tempo, terminou até a minha relação com Sheila Pam, uma rapariga do Nebraska que vive numa janela da internet e faz quase tudo o que lhe pedem. Ansiava pelo dia em que nos encontrássemos em carne e osso e ela me realizasse o meu maior desejo: “Sheila, passa-me aí o comando da tv box, se fazes favor”. (Dir-lhe-ia isto em inglês, obviamente, não sou nenhum energúmeno.) A Mário Crespo censuraram-lhe uma crónica, a mim censuraram-me a vida toda.
Resumindo, um tipo fecha-se dois meses para ler, escrever e ver a série completa (25 DVD’s) de “Milf Next Door” e depois, quando regressa à realidade pura e tenta perceber como é que anda a moenga, convicto de que neste país nunca acontece nada, descobre que afinal a vida pública portuguesa se tornara tal e qual um anúncio dos anos 80 a chocolates de leite, tanto na descrição como no absurdo:
“E depois?”, pergunta uma menina com ar matreiro.
“Depois, estava o Freeport, veio o Jornal de Sexta e comeu-o”, diz o avô, enquanto engole metade de um secretário de Estado feito de chocolate. “Mas veio o PS e a Moura Guedes teve de se esconder”, continua o ancião. Mordisca um administrador e acrescenta: “Depois, veio a PT…”
“Não, não!”, exclama a garota, entretanto filiada na JS, tirando a golden share da mão do velhinho. “ A PT veio com o PGR e o Primeiro no comboio ao circo.”
A terminar, ouve-se uma voz off (alegadamente será uma alegada frase retirada das alegadas escutas a alegados amigos do alegado Primeiro-ministro): “Fantasias de Natal.”
Acossado pela oposição e por alguns escribas sem critério, José Sócrates tem utilizado em sua defesa uma argumentação que muito pode fazer pelo regresso da clássica condição masculina nesta era cada vez mais apoquentada pelas conquistas do feminismo. Ao homem moderno apanhado em flagrante num acto de infidelidade conjugal não lhe basta o clássico “nego tudo”. O homem moderno usa o argumentário José Sócrates:
a) “Infiel, eu? Quem é que te deu autorização para espreitar pela fechadura?”
b) “Infiel, eu? Não tinha nenhum conhecimento formal de que se iria processar alguma actividade sexual entre mim e esta mulher.”
b) “Infiel, eu? Eu nunca disse a esta senhora para se meter na cama despida.”
c) “Infiel, eu? Quando esta senhora perguntou ‘queres mais uma, querido?’ não estava a falar comigo. A mim ninguém me chama ‘querido’.”
José Sócrates pode não ser bom a governar. Pode até nem ser muito bom a mentir. Mas a inventar desculpas é obviamente, de entre a nata da escusa, o melhor de todos nós.
Por: Nuno Amaral Jerónimo