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Fraude e julgamento

Mitocôndrias e Quasares

A Ciência é feita por cidadãos que fazem parte da sociedade. Cidadãos, como qualquer um de nós, que possuem vidas em tudo semelhantes às nossas, com alegrias e tristezas, desilusões e triunfos. Vidas que assentam em valores, ideais, em lutas políticas e sociais. Muitos estiveram do lado correto da barricada, outros, nem por isso… Muitos foram perseguidores, outros perseguidos, mas todos deixaram a sua marca. Deixo dois exemplos que mostram como a dimensão social do indivíduo acompanha a dimensão de cientista.

O julgamento do macaco

Em 1925, um professor de uma escola pública foi condenado nos Estados Unidos por ensinar a teoria da evolução de Darwin. Na atualidade são os criacionistas que lutam por um lugar nos planos de estudo.

Por volta de 1925 havia no estado do Tennessee uma lei que proibia o ensino de teorias que contrariassem o relato bíblico da Criação. No entanto, o professor John Scopes atreveu-se a dar uma aula sobre Darwin num escola de Dayton. Esta ousadia de liberdade académica custou-lhe um julgamento que ainda hoje é recordado e que na altura os norte-americanos seguiram pela rádio em direto.

O que se passou foi que o jovem professor mostrou na aula um livro que incluía as ideias desenvolvidas por Darwin na “Origem das Espécies” e alguns alunos denunciaram-no. Um julgamento de apenas dez dias confrontou, pelo lado da defesa, Clarence Darrow, um advogado famoso, com William Jennings Bryan, do lado da acusação. Byran também era um exímio advogado e foi três vezes candidato a presidente pelo Partido Democrata.

Darrow argumentou que a teoria da evolução não contradiz o relato bíblico e provou-o apresentando no julgamento oito especialistas na teoria da evolução.

Para além disso, Darrow acusou o juiz de estar a beneficiar um culto, o que infringia o princípio constitucional de laicismo. Bryan propôs uma interpretação literal da Bíblia e da lei e argumentou que o ensino da teoria da evolução era moralmente prejudicial para os estudantes.

No entanto, a pérola do julgamento foi a intervenção do advogado de defesa Dudley Malone, que declarou que a Bíblia devia cingir-se ao âmbito do que é moral e não invadir o terreno da ciência. Scopes foi considerado culpado e foi-lhe aplicada uma multa de 100 dólares. Ao conhecer o veredicto, o professor pediu a palavra pela primeira vez durante o julgamento: «Dr. juiz, sinto que sou culpado por ter violado um estatuto injusto. Continuarei no futuro – como fiz desde sempre – a opor-me a esta lei de todas as formas possíveis. Qualquer outra atitude iria contra o meu ideal de liberdade académica, o de ensinar a verdade tal como está estabelecido na Constituição, com liberdade pessoal e religiosa. Sinto que a sentença é injusta».

A sentença Scopes, finalmente, ficou sem efeito por um tecnicismo legal. O professor John Scopes continuou a dar aulas de geologia até se reformar. A lei Butler, que deu origem a todo o conflito e que proibia ignorar a participação de Deus no ensino da origem da vida, permaneceu vigente até à década de 1970.

A fraude das rãs

Paul Kammerer foi um dos biólogos mais importantes da primeira metade do século XX. Austríaco de nascimento, em setembro de 1926 suicidou-se com um disparo na têmpora. Foi acusado de fraude nas suas experiências científicas. O que terá acontecido?

Paul Kammerer nasceu em Viena em 1880. Fiel defensor da teoria segundo a qual as capacidades que os animais adquirem são transmitidas à sua descendência, tentou a todo o custo introduzi-la nas suas experiências.

Tal como no século anterior Lamarck tinha exposto a sua teoria evolutiva com o exemplo dos pescoços compridos das girafas (que tinham esticado por terem de esforçar-se durante gerações para alcançar os ramos e as folhas mais altas das árvores), Krammerer quis demonstrar o mesmo experimentalmente com sapos parteiros. Para isso, treinou os sapos parteiros para que acasalassem na água – como fazem as rãs – e não na terra. No caso das rãs, quando a rã macho tem de montar a fêmea para que ela expulse os ovos que deve fecundar, eriça umas diminutas espinhas nos seus dedos traseiros que lhe permitem agarrar-se melhor ao escorregadio dorso da fêmea. Kammerer demonstrou que os seus sapos parteiros, forçados a procriar na água, também pareciam ter desenvolvido estas mini-espinhas nos dedos. Krammerer apresentou os seus resultados em 1923 na Universidade de Cambridge e a descoberta causou surpresa entre os cientistas presentes.

Até que, em 1926, Kingsley Noble, um tratador de répteis do Museu Americano de História Natural, visitou Krammerer no seu laboratório e descobriu a verdade da questão: não era que o sapo tivesse de facto as espinhas – os sapos parteiros não as têm precisamente porque se reproduzem em terra –, ele é que tinha injetado tinta da china nas patas para destacar o que de outra forma seria invisível. A fraude foi publicada pela revista “Nature” e destruiu a carreira e a vida de Kammerer, que não resistiu à vergonha. Antes da sua morte, Kammerer admitiu as conclusões de Noble, mas declarou-se inocente, sugerindo que não tinha sido ele a forjar a experiência, mas que se tratara de uma conspiração.

Por: António Costa

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