Tem antecedentes criminais?
Olhou-me com um ponto de interrogação no olhar.
Já alguma vez respondeu em Tribunal e foi condenado? Já esteve preso?
Que sim com a cabeça.
A sua defesa é difícil. Creio que não terá muitas hipóteses. Os crimes são graves e como já não é a primeira vez… devo adverti-lo que muito provavelmente lhe vão aplicar uma pena de prisão efectiva. Irá preso – sentenciei.
O olhar era vago e conformado, de quem já estava à espera.
O Francisco só tem 24 anos mas não lhe dava menos de 40. A sua vida foi triste e miserável desde que nasceu. Oriundo de uma família carenciada, completamente disfuncional, o pai alcoólico. Foi abandonado numa Instituição juntamente com dois irmãos de quem desconhece o destino. Facilmente entrou num mundo que não lhe permitiu conhecer a parte boa da vida. A droga e o álcool transportaram-no para uma realidade que a maior parte de nós nem quer ouvir falar.
“A inexistência de um projecto de integração social devidamente estruturado e a ausência de uma adequada retaguarda familiar justificaram a sua rápida inserção em contextos negativos de socialização, facilitadores de relações, influências e práticas anti-sociais, nas quais tem persistido” – lê-se no relatório social do qual nem quis tomar conhecimento.
O Francisco foi pai, mas não reconhece isso como uma bênção. Diz desconhecer o paradeiro da mãe e da criança. Sabe que se chama Francisco como ele, mas não o diz com orgulho.
Nunca trabalhou na vida, mal sabe ler e escrever, a única coisa que sabe mesmo fazer é furtar automóveis.
As mãos tremem-lhe e pergunto-lhe se está bem. Diz-se doente. Tem a voz apagada e uma atitude de que já nada importa.
Sou confrontada com o seu registo criminal de 4 páginas onde leio: furto de veículo, furto de veículo, furto de veículo….
Gosto de carros – diz.
Tenho muita pena Sr. Francisco, mas…
Obrigada, nunca me trataram por Senhor. Não tenha pena. Nada pode fazer. Na cadeia posso comer uma refeição, tomar um banho quente e preparar-me para o fim.
Não sei a que fim se referia o Francisco e temi perguntar.
Vivo agora com a realidade de que nada pude fazer.
Por: Carla Freire