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«Fornos ainda vai viver muitos anos de opressão financeira por causa da dívida»

Cara a Cara – Manuel Fonseca, presidente da Câmara de Fornos de Algodres

P- Quais são as grandes opções para os próximos quatro anos em Fornos de Algodres?

R- O primeiro mandato foi muito complicado em termos financeiros. Quando chegamos à Câmara foi preciso arranjar um novo quadro financeiro, renegociando essencialmente a dívida através do FAM [Fundo de Apoio Municipal]. Conseguimos diminuir drasticamente o valor do encargo mensal com a dívida, que neste momento não chega perto dos 100 mil euros. Ainda temos alguns processos em tribunal e há passivos contingentes que, eventualmente, teremos que pagar. Caso isso aconteça obviamente que o valor aumentará, mas não tanto para chegar ao valor anterior. Quando cheguei à Câmara pagavam-se cerca de 165 mil euros e, passado um ano, a prestação subia para 220 mil euros, um valor que num orçamento de seis milhões era signitivamente alto. Tendo em conta o volume de dívida não se conseguia fazer outro tipo de negócio e, neste momento, sabemos com o que contamos nos próximos quatro anos.

P- Quais são os encargos com o pessoal?

R- São mais de um milhão de euros.

P- Ou seja, mais de dois milhões do orçamento são para custos com pessoal e custos financeiros. Isso impede o município de ter grandes opções para o futuro?

R- Não digo isso, mas temos que fazer opções estratégicas. Há um problema gravíssimo no concelho que é a falta de emprego. Nos últimos anos, algo que se agravou também com a crise de 2012/2013, muitas empresas, nomeadamente na área da construção civil, fecharam e não houve criação líquida de postos de trabalho. Na nossa zona industrial há apenas uma empresa, ligada ao setor dos queijos, que vai criando alguns postos de trabalho, e a verdade é que não tem havido um aumento significativo de empresas que possam gerar empregos. Portanto, uma das grandes opções da Câmara é trabalhar para criar condições para que se possa investir em Fornos. Temos duas zonas industriais, uma delas tem problemas gravíssimos com uma série de pavilhões devolutos, cuja negociação com os proprietários não tem sido fácil. A outra, a sul de Juncais, existe desde 1998 mas nunca foi infraestruturada. Quando chegamos à Câmara verificamos que havia um plano de ordenamento para essa zona industrial, mas que envolvia um investimento de milhares de euros e que a Câmara não podia fazer. Neste momento há condições para o fazer, mas não temos dinheiro suficiente para a ampliação ou para infraestruturar aquela zona industrial. O que vamos fazer? Como é atravessada por uma estrada municipal, vamos começar a infraestruturar todas as áreas dos dois lados dessa estrada para termos um custo mais baixo para, pelo menos, arranjar ali dez ou 12 lotes de terreno. Sei que há candidatos, já houve gente que me abordou por causa de lotes para montar empresas e a Câmara, infelizmente, não os tem neste momento. É um trabalho que vamos fazer nos próximos dois ou três anos para que se possam criar empresas e postos de trabalho no concelho.

P- Dada a proximidade de Fornos, nomeadamente à A25, acha que é possível atrair alguma grande empresa?

R- Quando se fala em boas estradas é preciso ter em conta que, às vezes, não funcionam, pois há alguns custos de contexto que uma empresa tem se quiser instalar-se no interior do país. Por isso, o Governo tem que ter uma responsabilidade. Fala-se tanto no interior, bem como nos concelhos de baixa densidade, mas não se vê os Governos a investir no interior, não há medidas de fundo. Porque não, em Fornos e nos concelhos limítrofes, as empresas deixarem de pagar IRC durante alguns anos? Porque não as empresas que se queiram instalar no interior terem uma diminuição da Taxa Social Única? Se o Governo tem intenção de equilibrar esta diferença interior-litoral é necessário haver medidas de fundo, não vamos lá com outro tipo de medidas. Foi importante para Fornos ter reaberto o tribunal porque fixa pessoas e é importante não deixar fechar serviços, mas isso por si só não funciona. É necessário haver outro tipo de medidas e tem que haver coragem política dos Governos para se criarem medidas de fundo para o interior porque assim não vamos lá. Podem criar as unidades de missão que quiserem, mas esta falhou. Falhou logo por ter proposto 160 medidas, porque a determinada altura já ninguém entende quais são. Para o interior eram necessárias apenas três ou quatro medidas emblemáticas e assertivas.

P- Mas acha que só pela redução fiscal, nomeadamente às empresas, é possível? Não será necessário que haja outro tipo de alavancas, de serviços?

R – Sou a favor da descentralização de serviços. O que é que um serviço de agricultura está a fazer em Lisboa se a agricultura é no Alentejo ou no interior? Há coisas perfeitamente desajustadas.

P- Fornos está localizada entre duas capitais de distrito, Viseu e Guarda. Tem vantagem por isso ou, pelo contrário, não tem conseguido tirar vantagem dessa proximidade?

R- Infelizmente não. Em termos comerciais, Fornos tem uma relação muito mais estreita com Viseu do que com a Guarda. No entanto, não há aqui nenhuma vantagem visível para o concelho em termos de retorno, até porque estamos a levar mais do que a trazer. Digo isto porque muito do rendimento das familias que devia ficar, se houvesse condições no concelho, muitas vezes fica em Viseu. Vão às compras a Viseu e essas receitas deviam-se gerar aqui. Por exemplo, na Câmara há cinco ou seis funcionários que vêm e vão para Viseu, nem sequer residem aqui.

P- Mas quando reinvindicamos emprego para os concelhos do interior, pode então haver esse problema de se criar emprego e não se eliminar o tal despovoamento que nos perturba?

R- Fornos não tem mercado de arrendamento e praticamente não tem mercado de construção de raiz. Assim, quem eventualmente reside em Viseu não terá condições para vir para o concelho. Mas nem tudo é mau. Na área da agricultura tem havido uma série de jovens que se instalaram com pequenas unidades de produção de queijo, framboesas e mirtilos. É um setor que tem futuro neste concelho e, como tal, a Câmara estará sempre pronta para ajudar esses jovens agricultores e não é apenas a fazer o projeto, mas, por exemplo, a fazer uma ampliação da rede elétrica junto da exploração agrícola.

P – Qual é o futuro de um concelho como Fornos de Algodres, sem indústria, poucas empresas, e população envelhecida?

R- Parados não podemos ficar. Na área do turismo, seremos um dos concelhos do distrito com mais oferta de camas neste momento. E para nós o turismo é sem dúvida um vetor de desenvolvimento. Esse é um trabalho que temos que fazer, não só aproveitando o potencial do património cultural e natural do concelho, como as aldeias lindíssimas, os monumentos arqueológicos e as visitas temáticas sobre a produção de queijo. Temos também dois ou três eventos marcantes que atraem muita gente, caso da Feira do Queijo.

P- Em tempos, Fornos juntou-se a Gouveia e Seia para fazer uma grande feira. Fornos optou por seguir o seu caminho e fazer a sua feira. Esse passo foi um contributo para o desenvolvimento agropecuário do concelho?

R- Sempre achei que uma grande feira do queijo só funcionaria se Celorico da Beira estivesse presente porque os dois principais concelhos que produzem o melhor queijo Serra da Estrela são Fornos de Algodres e Celorico da Beira. Quando cheguei à Câmara decidi que iríamos fazer a nossa feira do queijo e em boa hora o fizemos porque as coisas correram muito bem e tivemos milhares de pessoas a visitar o concelho. Aliamos ao queijo outro tipo de atividades, com outros agricultores e outras iniciativas. Foi uma aposta ganha. Os hóteis ficaram completamente cheios e houve gente que teve que ficar em Celorico e Mangualde. Na altura entendemos que esta bandeira estava a diluir-se numa feira feita pelas três autarquias. Vamos continuar este ano, nos dias 16, 17 e 18 de março fechamos o ciclo de feiras do queijo da região e, tendo em conta o programa, não tenho dúvidas que será um grande evento.

P- Que outro eventos importantes podem contribuir para atrair pessoas a Fornos?

R- O Fornos Youth Cup é um torneio de futebol juvenil que traz perto de três mil pessoas no fim-de-semana em que se realiza. A Câmara criou algumas iniciativas paralelas com o objetivo de levar as pessoas a dar uma volta pelo concelho. Foi uma forma de promoção e, neste momento, utilizando e potenciando o enorme património natural e cultural, é possível alavancar algum tipo de desenvolvimento. Isso é nítido nas várias unidades hoteleiras, que já têm uma capacidade de resposta muito superior à média do distrito, mas nós queremos dar outro passo. Pretendemos criar outro tipo de iniciativas, como pequenas lojas, para que os visitantes possam comprar e degustar os nossos bons produtos.

P- Até quando Fornos vai viver “preso” à dívida anterior?

R- O que foi negociado no âmbito do FAM é que só teríamos esses encargos financeiros desde que alargássemos o prazo de pagamento da dívida que, infelizmente, é de 35 anos. Ainda vão ser muitos anos de opressão financeira. Antes de chegarmos, a Câmara tinha estado num plano de reequilíbrio financeiro e depois veio novamente aderir ao FAM. Foram anos difíceis de negociação, que já tinha começado com o Governo anterior, mas tivemos que ir ao FAM com as implicações que isso tem, nomeadamente de maximizar todas as taxas cobradas no concelho. Por exemplo, temos a taxa máxima no IMI.

P- E isso é um problema para quem cá vive?

R- Sim. Este Orçamento do Estado deu alguma flexibilidade às Câmaras que se encontram em equilíbrio financeiro, de maneira a que, sem colocar em causa a recuperação da autarquia, poderem também mexer nas taxas de IMI. Pela redução de custos que devemos ter será possível mexer nessas taxas no próximo ano, uma vez que há uma folga em termos legais que nos permite fazê-lo, coisa que não existia até aqui.

P- Quando tomou posse disse que para este ano havia alguma folga financeira, o que é a que Câmara pode fazer com essa folga, que outro tipo de eventos ou projetos?

R- No âmbito da CIMBSE temos dois projetos na área da regeneração urbana que queremos implementar. O mercado municipal está completamente ultrapassado em termos de resposta e queremos fazer ali um projeto que não sirva apenas para os eventos, como a feira quinzenal, mas que funcione também quase como incubadora de empresas. Vamos tentar adaptar aquele espaço para acolher pequenos empresários e pequenas iniciativas dos fornenses. Há uns anos fizemos um curso de empreendedorismo, mas depois, e infelizmente, faltou o resto, como o local onde esses jovens pudessem instalar-se. Depois temos que resolver urgentemente um problema gravíssimo no que respeita à saúde pública com as fossas existentes em várias aldeias. É necessário fazer um investimento muito grande nessa área porque a situação está resolvida na sede do concelho, uma vez que quem gere esta área é a Águas do Vale do Tejo. Neste e no próximo ano vai haver esse esforço da Câmara. Em Fornos de Algodres, em pleno centro da vila, temos o caso da escola C+S cujo saneamento é quase a céu aberto e isso não pode acontecer.

P – Foi eleito com maioria absoluta num concelho historicamente social-democrata? A que se deve esse resultado nas últimas autárquicas?

R- Este concelho passou a ser maioritariamente socialista em termos de autárquicas. Nestas eleições houve gente que não pertencendo ao PS votou no PS para a Câmara porque verificaram que durante quatro anos tivemos uma política de rigor, no sentido de baixarmos custos em determinadas áreas. Eventualmente, se houve um fator preponderante que levou os munícipes a votar em nós foi o de termos sido rigorosos nas contas. Podemos não ter feito o que muitos deles esperavam, mas fizemos aquilo que podíamos com os fracos recursos que tinhamos. Este resultado traz responsabilidades acrescidas porque conseguimos uma maioria confortável – além dos quatro mandatos no executivo, temos ampla maioria na Assembleia Municipal e dos 12 presidentes de Junta passamos de dois eleitos para sete. Costumo dizer aos nossos colaboradores que não podemos falhar, temos que estar muito focados naquilo que pretendemos fazer. É esse espírito de compromisso e responsabilidade que transmito porque há uma enorme expectativa dos munícipes para este mandato. Estamos limitados em termos de recursos financeiros, no entanto temos que fazer muito mais do que fizemos nos últimos anos e cumprir os objetivos que nos propusemos. Acho que é possível concretizá-los se continuarmos a trabalhar com espírito de rigor.

P – O que vai ganhar Fornos de Algodres com a Rede de Territórios do Alto Mondego?

R- Esta rede surgiu de um conjunto de vontades dos municípios de Fornos, Gouveia, Mangualde e Nelas a partir de um elemento comum, o rio Mondego. Começamos por fazer uma candidatura, que, infelizmente, não foi aprovada, mas que tinha a ver com a potenciação de produtos endógenos, como o queijo, o azeite, os frutos e o vinho. Avançamos então para outro tipo de projetos. Na rede cultural fizemos uma candidatura que foi aceite. Estamos a fazer um plano cultural transversal a todos os quatro concelhos e as coisas estão a correr bem. Penso que será um projeto âncora em termos culturais porque quando as coisas são feitas com um número de Câmaras mais pequeno funcionam melhor. Vamos envolver todas as associações culturais e recreativas para promover uma animação cultural em rede que também potencie, em termos de cartaz turístico, os concelhos envolvidos.

P- Se o INFARMED vai para o Porto, por essa ordem de razões, o que poderia vir para Fornos de Algodres?

R- Há vários serviços que podem ser descentralizados para o interior. Na área social, por exemplo, porque é que o Instituto de Segurança Social tem que estar em Lisboa e não aqui? O IAPMEI está amorfo no distrito da Guarda, acho que tem que ter outra forma de atuar. Neste momento tem que se ir a Lisboa ou Coimbra para resolver qualquer assunto com este instituto. O problema é que não só não vieram mais serviços para o interior, como os que havia foram praticamente todos esvaziados. Lembro-me da forma dinâmica como o IAPMEI trabalhava na Guarda, pelo número de funcionários ou do trabalho que faziam, e isso agora não se vê. Se calhar por uma questão política, mas não só. Penso que também por algum corporativismo relativamente a algumas associações de classe. Mas essa história do INFARMED fez-me pensar o seguinte: quando se falou em ser transferido de Lisboa para o Porto foi o pandemónio que foi, se fosse para a Guarda nem quero imaginar. Não é só uma questão política, mas também corporativista das várias pessoas que estão nestes serviços que, de alguma forma, também condiciona. Tem é que haver coragem e que o primeiro-ministro seja mais pragmático na forma como envolve os concelhos do interior. O que funciona são serviços que, se estiverem em determinado sítio, criem emprego também.

Perfil:

Nascido em 1962, em Fornos de Algodres, Manuel Fonseca foi eleito para um segundo mandato com uma «maioria confortável». Licenciado em Economia, foi professor durante alguns anos e daí seguiu para a Segurança Social, em 1998.

Ainda que longe, o edil fornense diz nunca se ter «desligado da atividade social e recreativa do concelho» onde nasceu: «Fui presidente da Assembleia-Geral e do Conselho Fiscal dos bombeiros e também presidi à Assembleia-Geral da Santa Casa da Misericórida», recorda o autarca. A consciência política, essa, começou a surgir quando tinha 12 anos, altura em que se deu o 25 de abril de 1974. «Foi um período conturbado em que havia algum fervor político entre o poder instalado e os restantes», lembra Manuel Fonseca, que na faculdade integrou várias listas à Associação de Estudantes que, na altura, funcionavam ligadas aos partidos.

Com duas filhas, o edil considera-se um «homem de família» e admite que não tem tanto tempo para a família como gostaria, pois «uma Câmara pequena como a de Fornos precisa de um presidente durante sete dias da semana». Uma das suas filhas tem «dado alguns passos» na JS, mas Manuel Fonseca diz que não quer ter nenhuma influência nisso, pois «serão elas a decidir». Nos intervalos entre a vida política e familiar gosta de ler e, de resto, «não sobra muito tempo para fazer outras coisas que gostava de fazer», como passear e viajar em termos de aventura. «Mas ultimamente não tem sido possível. As viagens que faço são pequenas porque não posso ter os tais 15 dias que às vezes tinha», lamenta o autarca.

Em termos políticos, considera que «as coisas não funcionaram» na Federação do PS da Guarda. «Não houve aquilo que António Saraiva disse na altura que ia fazer, no sentido de unir o partido, de haver uma maior intervenção do partido, de fazer com que o PS fosse mais vísivel, isso não aconteceu», acrescenta o edil fornense, que se queixa de não ter sentido «qualquer tipo de apoio para valorizar a minha recandidatura em Fornos».

Manuel Fonseca

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