1. Algum dia tinha que acontecer. Gostaria de partilhar a minha total concordância com a recente medida do Governo de introduzir portagens em três SCUTs do Norte e Centro. Mais concretamente do Norte/Litoral, Costa de Prata e Grande Porto. Efectivamente, trata-se de infra-estruturas pensadas para, mais cedo ou mais tarde, o respectivo custo se vir a repercutir nos utentes. Neste caso, é motivo para dizer que, “enquanto o pau ia e vinha, folgavam as costas”. Só que, o momento da verdade haveria de chegar. Por outro lado, já ouvi algumas críticas à não extensão da medida a todas as SCUTs. Discordo de todas elas. Porquê? A razão é simples: no caso das três abrangidas pela medida, verificam-se preenchidos os pressupostos para a decisão: vias alternativas razoáveis e rendimento superior à media nacional. Mas há um outro motivo, de ordem estruturante. Se me disserem que alguns troços de auto-estrada, sobretudo no litoral, são uma duplicação de vias com esse perfil já existentes, uma estratégia esbanjadora cujos maiores beneficiários são os construtores, os concessionários e certas redes clientelares devidamente “enluvadas”, estou pronto a aceitar sem hesitação. Mas já que existem, então que quem deles beneficia directamente contribua para o seu pagamento e manutenção. Na condição de existirem soluções alternativas de circulação, estarem essas SCUTs implantadas em zonas desenvolvidas e servirem troços inter-urbanos, como é o caso. Portanto, esteve bem o Governo em não impor portagens, para já, na A 23 e A 25. Uma vez que, servindo ambas uma vasta região do interior, cumprem um desígnio de coesão nacional, de correcção das assimetrias. Propósitos estes só atingidos se se mantiver a actual discriminação positiva. Para além de que, neste momento, não haveria praticamente vias alternativas nas zonas abrangidas…
2. As conversões, as iluminações, as combustões espontâneas, as apostasias, as revelações místicas, as hierofanias inexplicáveis e outros fenómenos congéneres têm, quase sempre, um tronco comum. Acreditemos que sim. Ainda que, neste caso, encimado por uma carinha laroca… Aconteceu à hora de almoço. No meio do habitual zapping, deparei com a proverbial TVI. Exactamente no momento em que irrompeu a Marta http://www.agenciafinanceira.iol.pt/consola.html?mul_id=13237334, correspondente da Agência Financeira, por entre as resmas de pixels do ecrã. Ah, momento sublime!!! Ah, perdição que tomaste conta de mim!!! Como foi possível? Ah, o doce desespero, a altura, o mar, a soberania do acaso… Coisas não fechadas, abertas de par em par, como se o peito rebentasse… Quando me recordo do eco, que antes palavras como “ratings”, “flutuações cambiais”, “índice Dow Jones”, “abrir em baixa”, “cair em alta”, “títulos transaccionados”, “praça de Tóquio”, tinham em mim!… Quedas consentidas, subidas fulgurantes, lances virtuais que compunham uma linguagem fantasmática, estéril, que produzia tantas emoções no meu ser como um algoritmo matemático ou a leitura das indicações terapêuticas de um anti-inflamatório. Ou seja, o mesmo que uma ladainha numa língua ininteligível. Uma cifra cuja repetição cadenciada induzia a memorização da forma, a neutralidade do fonema oco. Uma frenética liturgia do capital, sem templos nem genuflexões, ampliada pelos holofotes do espectáculo. A narrativa possível para o vazio. Mas tudo isso acabou, mal vi a Marta… O que era asséptico tornou-se um sopro e um arrepio, o que era inatingível ficou ao alcance da mão… Enfim, das trevas nasceu a luz, essa é a mais pungente realidade, meus amigos. Apesar dos seus “espirros”, das amoráveis hesitações, dos “portantos”, do à vontade esforçado… Mas será que a verdadeira beleza dispensará uma ligeira imperfeição para se fazer anunciar? E pronto, já só ambiciono ser o corretor preferido das suas primícias…
3. Será que o Eyjafjallajokull, vulcão islandês que projectou a sua cólera sobre o mundo desde 14 de Abril, poderia ter outro nome? Podia, mas não era tão cómico para um não indígena tentar pronunciá-lo. Será que poderia ter sido um bocadinho mais discreto? É claro que podia. Mas já que enveredamos pelas comparações, basta ficarmos pela maior catástrofe vulcânica de que há memória: o Krakatoa, em Agosto de 1883, numa ilhota indonésia entre Java e Sumatra, que a violência inimaginável da explosão praticamente fez desaparecer. A última erupção foi ouvida na Turquia e no Hawai e rebentou os tímpanos a quem se encontrava num redor de 15 Km. O manto de cinzas e poeira expelidas pelo colosso cobriram o globo durante cerca de ano e meio, provocando alterações climáticas e no ciclo solar. Os efeitos projectaram-se na própria arte, uma vez que, dizem os entendidos, o estranho céu do celebérrimo “Grito”, de Munch, foi o mesmo que o artista pode observar nos céus da Noruega, um ano depois da erupção. O efeito do tsunami, com ondas de quase 40 metros, foi sentido inclusive no Canal da Mancha. Como vêm, mesmo num vulcão a discrição é relativa. Por último, não podia o Eyj…… ter uma sonoridade mais doce, mais apropriada a uma espécie de justiça divina, luminosa? Podia, sim senhor! E não seria tudo diferente, se agora falássemos do Vesúvio, do Etna, de Stromboli?… Espera aí!!!… Stromboli? Sim, a “terra di Dio”, essa, filmada por Rosselini em 1949. E convenientemente habitada por um anjo, Ingrid Bergman… Ou seja, para bem da eternidade.
Por: António Godinho Gil