Uma parte importante do espólio documental do antigo Regimento de Infantaria Nº 12 relativo aos primeiros dias da Revolução foi entregue no ano 2000 à cidade. Trata-se do relatório das operações que foram destinadas àquela unidade pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) na manhã do dia 25 de Abril, bem como vários “fac-simile” de mais alguns documentos pessoais da época, naquele que é o grande contributo para a compreensão do papel do RI 12 nos dias conturbados da Revolução dos Cravos. Fazendo jus ao lema da guarnição, os soldados do quartel da Guarda trocaram as voltas ao regime e foram «firmes como rochas», mas a favor da Revolução de Abril.
Um momento recordado no início do novo milénio pelos cerca de cem oficiais e soldados do 12, reunidos na Guarda e em Vilar Formoso, que se reencontraram com a história e um importante marco das suas vidas. O convívio foi realizado pela primeira vez desde a extinção do regimento em 1981 e contou com a presença do major-general Augusto Valente, na altura capitão e elemento de ligação ao MFA, e do último comandante do regimento, o coronel Vieira Monteiro. O objectivo do encontro era não só reviver o «período puro da Revolução», como disse então José Pires Veiga, professor e aspirante naquela unidade quando se deu o 25 de Abril, mas também tentar «sensibilizar» a Guarda para a «recuperação do prestígio» do RI 12 na cidade, «onde não há nenhuma referência ao regimento», lamentou na altura Pires Veiga. Os ex-militares deram o exemplo e entregaram cerca de 30 documentos, testemunhos daquele período, de forma a incentivar a investigação e reavivar a memória da Guarda para uma das instituições mais importantes da cidade nos anos 60 e 70. Os antigos militares regressaram ao antigo quartel, que alberga agora o Arquivo Distrital, a Direção Regional de Finanças e as instalações da GNR, e a Vilar Formoso, para onde foi destacada na altura a totalidade da força operacional do RI 12 com a missão de ocupar a principal fronteira do país, ali tendo permanecido até meados de maio de 74.
Dez mil processos
Composto por três companhias, o Regimento de Infantaria 12 veio para a Guarda em 1966, assumindo claramente uma função estratégica junto da fronteira com Espanha. É nesse contexto que o MFA pede a deslocação de uma força significativa para Vilar Formoso no dia da revolução. Aí, cerca de 100 homens cuidaram da rendição dos elementos da Pide, da sujeição dos agentes da Guarda Fiscal e da GNR e vigiaram as movimentações do lado espanhol, ainda sob o jugo franquista. Na Guarda, o trabalho dos soldados do 12 também consistiu em desmantelar todos os meios de comunicação da Mocidade Portuguesa e da Pide e confiscar as armas daquelas duas organizações, bem como os arquivos. A esse propósito, Pires Veiga revelou que o regimento teve na sua posse cerca de dez mil processos relativos a pessoas da Guarda, «quando na altura, a população do concelho estava longe de atingir esse número». De qualquer modo, os ecos da revolução não causaram grandes dores de cabeça aos soldados, que contaram com a ajuda dos guardenses para manter a ordem pública.
Mais problemática parece ter sido a situação no quartel. Vindo de Lamego a seguir ao 16 de Março e ao fracasso do levantamento das Caldas, o então capitão Augusto Valente chegou à Guarda na condição de deportado por ter sido na região uma peça de ligação ao movimento dos capitães. «No primeiro contacto que teve com os onze aspirantes do quartel, falou, de uma forma muito ténue, na eventualidade de poder vir a acontecer uma coisa idêntica à das Caldas da Rainha», recordou Pires Veiga. Foi o suficiente para conseguir o apoio de quase todos os oficiais e soldados do regimento. Na tarde do 25 de Abril de 74, «depois do almoço», a tropa deteve o comandante e o segundo comandante «porque se mantinham leais ao regime deposto». Cá fora, os guardenses “cercaram” o quartel, expectantes da reacção do regimento, conforme mostrava o “Jornal do Fundão” poucos dias depois da revolução.