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Finalmente

Não resisto comentar que, finalmente, temos um afro-americano a governar o denominado país mais poderoso do mundo. Mais poderoso do mundo, porque tem invadido os países onde a política é perigosa para os governantes norte-americanos, entra sem pedir licença, mata ou manda matar sem perguntar, desvia o petróleo oriental para seu benefício, assassina os líderes nacionais de que não gosta ou que não são convenientes para os seus interesses. Desde George Washington a George Walker Bush os Estados Unidos da América já tiveram 43 presidentes da república. Quatro deles foram assassinados (Abraham Lincoln em 1865, James Garfield em 1881, quatro meses após a sua eleição, William McKinley em 1901 e John Kennedy em 1963), quatro deles foram alvo de atentados (Andrew Jackson, Harry Truman, Gerald Ford e Ronald Reagan). O mais doloroso foi o de JF Kennedy, a 22 de Novembro de 1963: queria acabar uma guerra injusta, conveniente para os vendedores de armas dos Estados Unidos, no Vietname; antes de assinar o pedido dirigido ao Congresso para acabar esse trágico ataque a um país invadido, aconteceu um disfarçado golpe de estado e o jovem presidente morreu. Como mais tarde foram mortos o seu irmão Robert, candidato à Presidência, e o Reverendo Martin Luther King, esse que teve o sonho de “sermos todos iguais”. À distância assassinam Presidentes legalmente eleitos, como Salvador Allende no Chile; ou, simplesmente, ameaçam e matam com aviões, ou, ainda, instalam uma cadeia denominada base da Baía de Guantánamo, contra o seu arqui-inimigo, o libertador de Cuba, Fidel Castro. Os governantes dos Estados Unidos da América entram noutros países como Pedro em casa. Até ao último mandato de Bush, os americanos, como são geralmente denominados, enviaram forças armadas, especialmente de elite, o Corpo dos Marines, rama especializada e paralela do exército regular, treinadas para matar em todas as guerras que esse país começa. Até hoje, é possível entender que as invasões são ideológicas ou por ambição de “americanizar” fontes de ingresso económico, em benefício de poucos. De poucos que enriquecem e permitem enriquecer a nação. Até hoje, o Estado Americano tem usufruído com guerras que matam, ironicamente denominadas de pacificar. Este deve ser o motivo pelo qual a União Europeia não quer permitir a sua admissão na gestão do Velho Continente (Europa).

Finalmente, um afro-americano muçulmano, Barack Husseim Obama, denominação que, de certeza, ele próprio rejeita, pois, também ele, desde a sua vida académica na faculdade de direito, lutou pela doutrina de Luther King, essa procura da igualdade nacional, esse sermos todos seres humanos, sem importar o credo religioso, a cor da pele, a ascendência ou a ideologia política. Esse muçulmano afro-americano que pela primeira vez governa o denominado país. Estou certo que não adoptará políticas invasoras de outros países. Dentro do seu corpo há a vida do pai oriundo do Quénia, da mãe, a antropóloga Ann Dunham, nascida no país que o filho passará a governar.

A árvore genealógica de Barack Obama é uma salada como a minha. Entendo este tipo de relações. É o encontro de culturas diferentes que, no caso de Obama, foi muito bem organizado pela sua mulher, uma advogada de sucesso, Michelle, que soube resgatar o jovem rebelde estudante das mãos da droga e colaborou com ele na sua formação como Cientista Político, apoiou-o na sua candidatura ao congresso e posteriormente ao senado, como primeiro afro-americano membro desse órgão. Obama é branco e é negro. É do Kansas e é do Quénia. Nasceu no Havai, cresceu na Indonésia, estudou em Los Angeles e Nova Iorque e construiu a sua carreira profissional e política em Chicago. A família mudou para o novo Estado aderido aos Estados Unidos, por motivos políticos, o de Havai. Foi no Hawaii que soube que tinha um meio-irmão, que hoje em dia vive e trabalha na China.

A vida de Barack Husseim Obama é a vida de um homem com muitos segredos. Segredos que se têm revelado a pouco e pouco. Como esse de ser muçulmano, ou de ter um meio-irmão nascido de uma paixão. As fontes consultadas, nem sempre de confiança, dizem: O avô de Barack, queniano, maratonista, viajou até à Grécia em 1910 para disputar as olimpíadas. Como, entretanto, a Grécia entrou em guerra com a Turquia as olimpíadas não se realizarem. Mas, o avô de Barack foi recrutado como mercenário para a mencionada guerra e aceitou, pois não queria perder a viagem.

Na Turquia, conheceu uma jovem mulher branca, enfermeira, Madelyn Dunham, que cuidava dos feridos turcos com muito apreço. “Conhecendo-a” no sentido bíblico, descobriu que não se tratava de uma turca, mas sim de uma iraquiana, fugitiva do seu país, que faz fronteira com a Turquia, por causa do ditador do Iraque: seu pai. É dessa relação que advém o nome de Barack Hussein Obama, da etnia Sunita do Iraque. Após a constatação da gravidez da mulher que se tornaria avó de Barack, esperaram o nascimento do filho para recomeçar a vida num lugar distante, longe de toda essa confusão. Então ocorreu a mudança para o Havai. Foi aqui que as famílias americanas, iraquianas e africanas, se conheceram. Devido a esse encontro, nasceu Barack Hussein Obama. Que hoje inaugura a sua Presidência dos Estados Unidos da América.

Para quê? Essa é a parte interessante.

No Havai, o avô de Barack tornou-se surfista, profissão que, tragicamente, trouxe o luto e a viuvez à avó de Barack. Aos 18 anos, o filho do casal, resolveu pesquisar as origens da sua família. A pesquisa levou-o ao Iraque onde percebeu que a sua mãe era descendente de uma nobre família iraquiana, este facto permitiu-lhe, em pouco tempo, aceder às melhores festas de Bagdad. Foi numa dessas festas que conheceu aquela que viria a ser a mãe de Barack. Ela, filha do ditador do país, Stanley Ann Hussein, jovem e bela mulher, teve uma profunda relação com o jovem queniano, crescido no Havai.

Como resultado dessa paixão, houve a fecundação da jovem. Mas um outro segredo estava guardado para o jovem queniano havaiano: a sua mãe havia deixado para trás um outro filho, que ficou aos cuidados da família Laden. Em homenagem ao seu meio-irmão Osama Bin Laden, sem relação com o procurado terrorista Osama Bin Laden, o pai de Barack decidiu nomear o seu próprio filho em alusão ao tio. Assim, oito, nove meses depois, de volta ao Havai, casaram-se. Ambos com 18 anos. Em 4 de Agosto de 1961 nasceu Barack Hussein Obama, o futuro presidente dos Estados Unidos.

Dizem por ai que, uma vez Presidente, Barack deverá confrontar Hugo Chávez da Venezuela e Mahmud Ahmadinejad do Irão. O entusiasmo de ter um afro-americano na presidência do país mais forte do mundo, começa a ser especulativo. Pergunto-me: não será que o entusiasmo se deve ao facto de ter um membro da classe trabalhadora, escrava até 1873, eleito presidente? O que sabemos dos seus planos económicos e pacifistas? O que sabemos sobre o confronto com o seu staff americano branco? E o povo? É preciso ouvir a sua declaração na tomada de posse, para sabermos se os seus planos correspondem ao que mundo dele espera!

No entanto, é bom lembrar que após a sua tomada de posse, ainda hoje, vai reunir com a sua equipa. Pela frente têm problemas (graves) a resolver: o terrorismo de Al-Qaeda e de esse outro não parente Osama Bin Laden; a crise económica que faz dos americanos pessoas mais pobres do que eram, e o confronto, antes de mais, com o programa educativo, essa (má) herança deixada pelo neo-liberalismo de Milton Freedman. A sua ideia é unificar a educação, abrir as portas a todos, a adultos e crianças, até porque os seus eleitores, a maior parte de origem estrangeira, não falam “mastigam” o inglês dos Estados Unidos. Mas, como referi antes, é preciso esperar pelo seu discurso inaugural da presidência, porque como ele próprio já afirmou «enquanto não montar o cavalo, não ando e consequentemente não falo». Vê-se bem que é um homem de segredos.

A nossa esperança está em ser um sucessor de Martin Luther King, que costumava dizer: O amor é a única força capaz de transformar um inimigo num amigo, ou: O ser humano deve desenvolver, para todos os seus conflitos, um método que rejeite a vingança, a agressão e a retaliação. A base para esse tipo de método é o amor.

Para além de frases como estas, acrescento: Finalmente! Finalmente um afro-americano descendente de escravos Governa o País anteriormente esclavagista. A tarefa que Obama tem pela frente é pesada. Cá estamos nós para colaborar. Como indivíduos e como jornal.

20 de Janeiro de 2009

Por: Raúl Iturra *

* Escritor nascido no Chile e Professor Universitário no ISCTE, Lisboa.

Sobre o autor

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