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«Ficar ao lado de quem sofre é um acto de justiça»

Cara a Cara – Entrevista

P – Que tipo de trabalho desempenha o núcleo da Guarda da Rede Europeia Anti-Pobreza (REAPN)?

R – O Núcleo começou a sua actividade em 2003 e o seu objectivo é promover o trabalho em rede entre instituições, entidades e populações para o combate à pobreza e exclusão social no distrito. Actualmente contamos com 45 associados: 26 são instituições com respostas sociais e 19 em nome individual. O Núcleo já promoveu mais de 50 iniciativas no campo da informação, como acções de sensibilização, seminários, “workshops” e mesas redondas sobre diversas temáticas na área social. Desenvolveu ainda nove acções de formação, num total de 192 horas, dirigidas a agentes institucionais e dois estudos de investigação sobre o distrito da Guarda: um de caracterização sócio-económica e outro de caracterização das Organizações Não Governamentais (ONG). Também fez diversos trabalhos de pesquisa e análise e participou em actividades promovidas por outras entidades. Mas tem, sobretudo, um papel de coordenação.

P – Como se desenvolve o vosso trabalho nos últimos tempos?

P – O Núcleo da Guarda definiu como prioridade de intervenção para 2008 a problemática do envelhecimento, entendida enquanto questão social de fulcral importância. Já realizámos um fórum sobre essa temática, onde foram debatidos temas como a família, os desafios futuros para respostas sociais, a saúde e qualidade de vida e as políticas sociais locais. Para a concretização dos objectivos definiu-se um conjunto de actividades dirigidas aos técnicos e dirigentes das instituições e entidades, aos próprios idosos e seus familiares, aos especialistas do envelhecimento e estudantes, mas também à comunidade em geral. Em 2008 tivemos duas mesas redondas, um grupo de trabalho e acompanhamento na área do envelhecimento, com oito pessoas ligadas ao tema, e três acções de formação sobre avaliação no contexto da intervenção social, a implementação de sistemas e gestão da qualidade nas respostas sociais. Temos ainda um diagnóstico sobre a problemática do envelhecimento, a realizar até ao final do ano.

P – Qual o diagnóstico da coordenação entre as diversas entidades que fazem acção social?

R – Tem havido uma boa coordenação entre as instituições com as quais temos trabalhado. Direi mesmo uma belíssima interligação com elas, já que o nosso objectivo só será conseguido se houver, de facto, esse trabalho em rede, de parceria, de partilha de experiências e de casos vividos. Só assim é que conseguiremos chegar a bom porto. E os maiores beneficiados com essa boa coordenação são as pessoas atingidas pela pobreza e pela exclusão social, porque, se assim não for, ninguém ganhará.

P – Pelo que observam, até que ponto é grave a pobreza na região?

R – Nós estamos a procurar fazer um diagnóstico dos casos de difícil visibilidade, porque, neste momento, deparamo-nos com um fenómeno que diz respeito à pobreza envergonhada, os chamados “novos pobres”. São pessoas que não conseguem satisfazer o pagamento das prestações, por exemplo, e outras – porque só conseguiremos chegar a essas pessoas se houver “feedback” da sua parte, se elas vierem até nós. A nossa missão torna-se difícil, porque estão muito constrangidas, envergonhadas. Mas procuraremos encetar todos os esforços para localizar esses casos e fazer um diagnóstico mais preciso.

P – Quais as principais carências das pessoas com quem trabalham?

R – Com base em dados presentes num estudo de caracterização sócio-económica do distrito da Guarda, verificou-se que o envelhecimento da população e os constrangimentos inerentes à condição do idoso são uma das características mais evidentes. Além disso, a maioria das instituições de solidariedade social que operam no distrito têm respostas sociais de apoio aos idosos nas suas freguesias e concelhos. Mas são também os novos pobres, que fizeram vários créditos e que se vêm agora na impossibilidade de satisfazerem o seu pagamento. Depois há uma espiral de dificuldades económicas que estamos a atravessar nesta conjuntura, que é extensível a grande parte da população.

P – Esta crise conjuntural criou ou agravou problemas específicos?

R – Sim, sem dúvida. A crise que se vive a nível global não pode deixar ninguém indiferente. Por isso mesmo é que aceitei integrar este projecto de voluntariado há cinco meses. É algo com que me identifico, porque a minha forma de estar na vida é mesmo essa. Procuro ser solidário com os outros. Vivemos numa conjuntura extremamente difícil a nível global e nós também não estamos imunes.

P – De que forma se poderá diminuir a força da crise junto das pessoas mais carenciadas?

R – Temos de pensar nas faixas etárias que são extremamente vulneráveis, nomeadamente os idosos e as crianças. Por isso dedicámos este ano uma atenção muito importante aos idosos. Isto sugere-me um retrato de um professor meu amigo, que disse que um seu aluno pré-adolescente lhe perguntava para que serviam os seus avós se não ouvem, mal vêm, não sabem jogar computador e não falam inglês… E as famílias não deixam de ir de férias, entregando os idosos a um vizinho, ou não os sentam à mesa quando têm visitas… É importante que apostemos numa educação de solidariedade junto dos nossos jovens para que olhem de outra forma para os idosos, porque eles já deram muito e ainda podemos colher muita da sua experiência e dos seus sacrifícios. Ficar ao lado de quem sofre, dos mais pobres é um acto de justiça e um sinal de esperança.

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