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Falência dos bombeiros é cenário «bastante provável»

Presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito da Guarda avisa que motivos financeiros podem levar a que as corporações «não possam sequer pôr os carros a trabalhar»

Gil Barreiros, presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito da Guarda (FBDG), encara a época crítica de incêndios florestais, que começou no último domingo, com «muita preocupação». O responsável diz que «as equipas estão constituídas e as viaturas em prontidão», mas confessa ter uma «grande dúvida», que consiste em saber «até quando é que os bombeiros estarão prontos».

Gil Barreiros admite mesmo que «é muito natural que a meio desta época, dependendo das condições em que decorrer, haja uma falência em termos de capacidade de investimento imediato por parte das associações para manter as viaturas em funcionamento». A causa, na sua opinião, reside na «autêntica miséria, quase atentatória», que o Governo atribui a cada elemento das equipas de intervenção – 1,79 euros por hora – e no montante (80 cêntimos) concedido por cada litro de gasóleo gasto no combate aos incêndios. «É muito pouco, hoje já ninguém tem vencimentos ou subsídios desse tipo», critica o presidente da FBDG, afirmando que «basta olhar para os preços das gasolineiras para perceber que nos estão a pedir que façamos um esforço extremo».

A esta situação junta-se a diminuição de receitas no transporte de doentes, que «dá para pagar ordenados e combustível, mas tudo o resto é prejuízo». Mas Gil Barreiros acrescenta outro dado «preocupante», que se prende com a necessidade de «taxar aqueles que são funcionários das associações, com a retenção do IRS», o que considera «uma situação de desigualdade e injustiça social, que resulta da falta de sensibilidade governamental». «Esses funcionários podem dizer, em qualquer altura, que não estão disponíveis, uma vez que essa taxação pode prejudicá-los, por exemplo, na atribuição de subsídios», refere, salientando que «é injusto estes saírem prejudicados quando estão a servir como os outros».

Todas estas situações preocupam Gil Barreiros, segundo o qual «pode estar comprometida a prontidão dos dispositivos» durante os próximos meses. Nesse sentido, o responsável máximo dos bombeiros do distrito apela ao Governo para que, «pelo menos, pague atempadamente», sob pena de se «chegar a meio da época de fogos sem capacidade para pôr os carros a trabalhar», uma realidade que «não é exclusiva» do distrito da Guarda. «Houve épocas em que andámos quase um ano à espera de receber o dinheiro que adiantámos, mas este ano não temos capacidade para adiantar nada», avisa o presidente da FBDG, acrescentando que «quando não der para mais, param-se os carros e depois que se inventem viaturas, gasóleo e pessoal, porque mais já não podemos esticar».

Seia sem meios aéreos de combate a fogos

Se esse cenário se confirmar, o responsável diz que «a culpa não será dos bombeiros e sim de quem legisla». Gil Barreiros diz mesmo que é «patética» a forma como o Governo trata os bombeiros. «Se houvesse outras forças a que se pudesse recorrer para proteger as populações até entendíamos, mas entrar neste tipo de política de falta de financiamento e asfixia económica dos corpos de bombeiros, e deixar um país desprotegido, é sem dúvida muito grave», argumenta o presidente da Federação dos voluntários do distrito da Guarda. Gil Barreiros entende que os bombeiros estão a ser sujeitos a uma «eutanásia prolongada» e lamenta que acabem por não terem «resposta frente a um “muro” que se escuda na “troika” e nas diminuições de custos».

Por outro lado, houve este ano uma redução de meios aéreos no distrito, com a retirada dos aviões anfíbios do aeródromo de Seia e a sua deslocação para os distritos de Castelo Branco e Vila Real. Esta mudança também inquieta Gil Barreiros, pois «faz com que estejamos menos protegidos». O dirigente diz não entender a medida, nem ver razões operacionais para a sua aplicação, já que no ano passado «tinham-se conseguido aviões de menor porte e de mais rápida intervenção». O dirigente recorda a existência de parques naturais na região que necessitam de «uma intervenção inicial musculada em qualquer ocorrência» e lembra que «o tempo que um avião demora a chegar de Seia à Serra da Estrela não é o mesmo que demora outro que levante voo de Castelo Branco». Gil Barreiros considera por isso que o distrito foi «prejudicado» por uma «medida mal pensada».

Na sua opinião, as «razões técnicas, de cobertura e de operacionalidade» avançadas pela tutela para a deslocação destes meios aéreos não são «as mais plausíveis». De resto, também foi alegado que a pista de Seia necessitava de obras. Porém, os aviões ali estacionados no ano passado «não precisavam de grande tipo de pista para levantar e aterrar», defende Gil Barreiros, que apela a São Pedro para que não haja no distrito da Guarda «grandes ocorrências em que tenhamos de atuar ao minuto e esperar pelas aeronaves».

Cobertura no distrito «ronda os 100 por cento», segundo António Fonseca

O período crítico de incêndios, denominado “Fase Charlie”, estende-se até 30 de setembro e mobiliza mais de nove mil elementos a nível nacional. No distrito da Guarda, o número de efetivos ultrapassa as seis centenas, integrados em 41 equipas de combate a fogos, além de cerca de 30 equipas de sapadores florestais, sete equipas de intervenção permanente e também algumas equipas de vigilantes da natureza do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB). No que respeita a meios aéreos, estão disponíveis três helicópteros, estacionados na Guarda, Mêda e Seia. António Fonseca, comandante do Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) da Guarda, considera que se trata de um dispositivo com capacidade para dar resposta a «cenários correntes e normais», com números «semelhantes» aos do ano passado.

Segundo o responsável, a este dispositivo juntam-se os meios nacionais e os meios aéreos das zonas fronteiriças espanholas sempre que no distrito seja necessário «um reforço da capacidade de resposta a cenários de perigosidade elevada». António Fonseca identifica como fatores condicionantes para esta época «os mesmos dos anos anteriores, relacionados com vegetação, topografia e clima». Fatores que são potenciados, muitas vezes, por «comportamentos errados da população», que são «talvez o fator mais crítico», e que podem «fazer a balança pender para um lado ou para o outro», afirma o comandante distrital da Proteção Civil. Sobre a retirada dos aviões de Seia, António Fonseca refere que este ano foram contratadas quatro aeronaves e que foi decidido que ficariam em Proença-a-Nova e Vila Real.

«Tal como os aviões que estavam no aeródromo senense, estes aparelhos são meios nacionais e, como tal, não haverá qualquer diminuição da capacidade de resposta», considera. António Fonseca alude ainda aos recursos financeiros, que «não são infinitos», pelo que «é sempre necessário fazer um equilíbrio entre o necessário e o possível». Ainda assim, o responsável diz que o distrito da Guarda está «muito bem» em termos de cobertura, que atinge praticamente os 100 por cento, muito por culpa da «malha apertada» proporcionada pelas 23 corporações de bombeiros voluntários existentes.

Fábio Gomes Para Gil Barreiros, a retirada dos aviões do aeródromo de Seia «prejudica capacidade de resposta no distrito»

Falência dos bombeiros é cenário «bastante
        provável»

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