Os últimos trabalhadores despedidos pela Delphi, em dezembro de 2010, foram convocados para uma reunião, realizada ontem nas instalações da Câmara da Guarda, ao que tudo indica para receberem formação. O convite terá partido do Centro de Emprego da Guarda, mas o caso está a motivar a indignação das pessoas que deixaram a empresa de cablagens em dezembro de 2009 e na primavera de 2010, que não entendem porque também não foram chamados.
A indignação é a palavra mais repetida a O INTERIOR por alguns dos funcionários preteridos. «Por que é que só eles é que têm direito? Qual o motivo de nos deixarem de fora desta oportunidade?», questiona uma antiga trabalhadora, que pediu para não ser identificada. «Estamos indignados com isto e vamos demonstrá-lo, comparecendo no local [ontem] para que nos deem uma justificação e nos expliquem porque servem uns e não os outros», sublinha quem fez um POC (programa ocupacional) num jardim-de-infância da autarquia. Nesse sentido, protestar é a palavra de ordem que tem passado entre os operários dispensados pela multinacional norte-americana nos primeiros despedimentos coletivos. A ideia é marcar presença «em força» na Câmara da Guarda, para onde estava prevista a reunião. «Não é justo o que estão a fazer, porque simplesmente não nos dão a mesma oportunidade de poder ter trabalho e alguma esperança», lamenta um ex-chefe de linha, que já trabalhou num serviço de bate-chapas. «Não fiquei por causa da crise», acrescenta.
Quanto ao objetivo da reunião, ninguém sabe ao certo. «No Centro de Emprego disseram-me que é para frequentarem uma formação, mas também já ouvi falar de uma empresa francesa que estaria interessada em instalar-se na Guarda e aproveitar a mão-de-obra qualificada da Delphi», refere o antigo funcionário, que esteve ontem nos Paços do Concelho. Não é a primeira vez que os 601 despedidos em dezembro de 2009 e abril e maio de 2010 são preteridos. Recentemente, soube-se que estes não teriam direito aos apoios do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (FEG), uma vez que a candidatura apresentada pelo IEFP abrangia apenas os últimos 318 trabalhadores a deixar a fábrica da Guarda-Gare porque a União Europeia decidiu contribuir só nos casos de despedimentos ocorridos entre julho de 2010 e março de 2011 no setor dos componentes e acessórios para automóveis em Portugal. Ora, os três despedimentos coletivos levados a cabo na Delphi deixaram sem emprego mais de 900 pessoas.
Falta de encomendas ditou fim da empresa
A Delphi chegou a empregar na Guarda mais de 3.000 trabalhadores, mas em 2009 só restavam 930. Apesar da redução, a multinacional norte-americana de cablagens continuava a ser a maior empregadora da cidade e do distrito. A falta de encomendas e a crise do setor automóvel na Europa traçou o destina da fábrica. Em maio de 2007 a Delphi comunicou pela primeira vez a intenção de reduzir os efetivos, mas, dois meses depois, a empresa conseguiu a produção de uma encomenda da Fiat transferida da Roménia e adiou os primeiros despedimentos.
Em Março de 2008, novo “balão de oxigénio” com uma linha de produção de MPR’s – um produto “after sails” direcionado para a reparação automóvel, vinda de fábrica espanhola de Tarrazona, fechada entretanto. Quatro meses depois surgiu mais uma encomenda deslocalizada da Roménia. O fabrico de cablagens para uma nova carrinha da Opel deu trabalho a 400 pessoas e apenas protelou o despedimento que se confirmou em 2009. De resto, os sinais de quebra de produção foram-se acumulando desde Setembro do ano anterior, quando algumas dezenas de trabalhadores foram forçados a gozar férias devido à redução de encomendas da Renault e da Opel. Depois vieram as ações de formação para todos os funcionários e uma paragem total de uma semana em fevereiro de 2009, o que aconteceu pela primeira vez na história da unidade. Nesse ano e no seguinte, foram despedidas mais de 900 pessoas, tendo a fábrica fechado portas no final de 2010. A produção foi transferida para Castelo Branco. A Delphi radicou-se na Guarda em meados da década de 80, em instalações deixadas vagas pelo fecho de uma fábrica da Renault. No auge da sua atividade chegou a dar trabalho a mais de 3.000 pessoas.
Luis Martins