A Alemanha vive um momento de indefinição política que, por arrasto, deixa também a Europa paralisada. Não espanta que na generalidade das capitais europeias se façam figas para que Angela Merkel exerça um quarto mandato à frente da chancelaria germânica. É a melhor garantia de que a maior potência europeia continua comprometida com o projeto europeu.
As eleições federais de setembro mostraram que também na até aqui imune Alemanha há uma tendência de desgaste do centro político, acompanhado, no caso alemão, do reforço eleitoral da extrema-direita (AfD). E mesmo com o fracasso das negociações para a coligação Jamaica (CDU, liberais e Verdes), tanto em Berlim como em Bruxelas todos querem evitar eleições que poderiam agravar tal tendência.
Pior do que a quebra dos democratas-cristãos da chanceler foi a enorme perda eleitoral dos social-democratas de Martin Schulz, que tiveram o pior resultado desde 1949. Em oito anos (05-09 e 13-17) de bloco central, o SPD não impôs a sua matriz política, incapaz de influenciar no sentido de uma Europa mais integrada ou de um Estado social alemão mais abrangente.
Os social-democratas pagaram o preço nas urnas. Schulz prontificou-se a retirar o partido de potenciais negociações com Merkel, ficando como o maior partido da oposição e não deixando esse papel à AfD. A ideia era clara: ganhar tempo para o partido se reencontrar, evitando o desgaste inerente à governação. Com uma Constituição que dificulta maiorias absolutas monopartidárias e privilegia acordos de regime, nestes dois meses Merkel sempre rejeitou excluir o SPD. Também o presidente alemão, o social-democrata Steinmeier, instou o seu partido a recuar.
À pressão do presidente juntou-se a pressão exercida por sectores relevantes do SPD. Que não querem ver o partido responsabilizado por uma inédita crise política, acreditando que o SPD pode e deve aproveitar o momento de maior fragilidade de Merkel para negociar um acordo de governo que contemple medidas importantes para os social-democratas. Num executivo mais propenso a aceitar uma maior integração na moeda única e a criação de mecanismos de correção das assimetrias no seio do bloco do euro.
É por isso que uma nova grande coligação, forjada com maior equilíbrio de forças entre a CDU e o SPD, pode ser a melhor opção para Berlim mas também para a União Europeia e a Zona Euro. Depois do preconceito e ação tardia terem feito Merkel contribuir para atrasar a recuperação da crise das dívidas soberanas, a chanceler assumiu-se como o farol da Europa dos valores, quer na crise dos refugiados, quer na resposta às ações desestabilizadoras de Putin. Merkel tornou-se a líder do mundo livre, testemunho que lhe foi transmitido por Obama.
A vitória de Macron em França foi uma lufada de ar fresco, mas os intentos reformistas do presidente francês, tanto no plano interno como externo, dependem do apoio de Merkel. Os líderes europeus tinham previsto discutir em 14 e 15 de dezembro a reforma do euro. Discussão que ficará em suspenso até haver governo na Alemanha. Sem Merkel, é certo que a UE não avançará, ficará paralisada no seu imobilismo.
Por: David Santiago