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Estrela de pedra

Almeida

Parados no largo da praça, num pequeno banco de jardim, há algumas pessoas mais antigas. Aquelas que sabem histórias e que as contam aos netos ao fim da tarde, quando já não estão com paciência para jogar mais à sueca. É dali que se parte à descoberta da vila. Primeiro respira-se aquele ar bom que cheira a memórias de batalhas sangrentas com os espanhóis inimigos. Depois é espreitar a Horta do Governador onde outrora os soldados cultivavam os bens essenciais para o seu sustento. A erva seca e o abandono dos campos são revoltantes. A horta localiza-se no fosso que circunda toda a povoação. “Este fosso nunca foi para água. Era uma estratégia de defesa”. Moutinho Borges é responsável pelo sector de turismo na Câmara Municipal de Almeida. O seu interesse pela história da vila permite-lhe acompanhar grupos e contar as “estórias de Almeida”. Volta-se atrás pelo mesmo caminho. Um túnel com algumas dezenas de metros. De novo o jardim cuidado e florido sorri a quem passa. Segue-se à direita até às Casamatas. Edifícios subterrâneos, “camuflados” para evitar o olhar indiscreto dos inimigos. Construídas no século XVIII, no Baluarte de São João de Deus, foram inicialmente chamadas Quartéis Velhos. Em caso de haver perigo para os habitantes, a determinada altura, serviram como refúgio. As Casamatas são vinte salas. “Na Guerra dos Sete Anos alojaram mais de três mil pessoas”. Moutinho Borges continua o discurso. Fala da funcionalidade do local e da prisão que funcionou naquele espaço. Ainda hoje lá existem restos de balas que eram usadas nos canhões. “Os soldados guardavam silêncio entre os disparos para os canhões arrefecerem. Era o tempo para rezar”.

Deixa-se este local e ao topo da rua há tempo para mais uma história. A Roda dos Expostos era o local onde se “depositavam” as crianças de pouca sorte. As mães que não tivessem possibilidade de criar os filhos entregavam-nos na roda para que outra família o fizesse. Os descendentes desses “marcados” pela sociedade ainda hoje não gostam de confessar as suas origens.

Segue-se a direcção do Castelo, junto da Igreja Matriz. O Castelo de origem medieval foi destruído durante a terceira Invasão Francesa. A igreja também foi destruída. No local foi construída a Torre do Relógio e o Cemitério. A igreja do Convento de Nª Srª do Loreto, que se situa junto dos quartéis, após a explosão do castelo, passou a ser o local de culto ao serviço do povo. Só no século XVIII passou a ter o nome de Nossa Senhora das Candeias.

“Aqui estão a realizar-se escavações para tentar apurar a origem do castelo e tentar saber que ocupações aqui existiram”. Caminha-se até às muralhas junto às Portas de Santo António. A paisagem é vasta e plana. Recua-se até ao Picadeiro. Foi o arsenal da Praça de Guerra entre os séculos XVIII e XIX. E actualmente está a ser restaurado para ser usado como local de prática de equitação. Neste espaço funcionará um restaurante e esplanada com vista para o picadeiro coberto. Daquele local avista-se uma vasta planície, outrora sangrento campo de batalha. Era de lá que as tropas inimigas tentavam conquistar a fortaleza e subjugar os portugueses, mas sempre com insucesso. “A seguir a Vale da Mula há o Real Fuerte de la Concéption, de onde partiam os ataques espanhóis. Um dia os portugueses foram lá de noite e dinamitaram o forte. Ainda hoje está em ruínas”. E é verdade. Se passarmos a fronteira, ali a meia dúzia de quilómetros, lá estão as paredes meias destruídas e cheias de ervas.

A conversa volta a Portugal e à história de coragem de John Beresford que foi enterrado junto da Praça Alta, em frente ao campo de batalha onde foi ferido. “Ele era oficial e já sem forças, quis chegar a Almeida. Gastando as suas últimas energias no caminho, gritou para a eternidade “Alma até Almeida!”

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