Qualquer semelhança com a realidade não será, por certo, mera coincidência
– Bom dia. Somos da …TV. Como se chama?
– Porfírio da Silva, para ser mais rápido. É que estou mesmo com pressa.
– Sim, mas só umas palavrinhas aqui para este microfone. Sabe, é que vai aparecer na televisão. Se quiser até pode ligar para casa para os seus verem. Nós esperamos uns minutinhos enquanto faz a chamada.
– Pois, mas eu estou mesmo com pressa e não posso perder tempo.
– Perder tempo, senhor… como disse, Porfírio? Ora essa, mas se o senhor até vai ser reconhecido lá no café?… Até os seus amigos se vão roer de inveja quando o virem na pantalha…
– Pois, tudo bem, mas eu não posso perder mais tempo. E, ademais, os meus amigos não estão no café. Vou agora, com esta pressa toda, ter com eles.
– Ó senhor Porfírio, não me diga que têm por aí uma festa… E o que vão comer? Algo característico cá da terra?… Diga-nos como se faz.
– Não, não, o que eu vou mesmo fazer é ver se ainda não me ardeu a casa que o fogo está a cercar isto tudo.
– Ah, já podia ter dito. É por isso mesmo que aqui estamos. Olhe, senhor Porfírio, e lá em casa está alguém?…
– Sim, sim, está. Está lá a minha e mais a mãe, entrevadinha de todo, coitadita…
– Eh pá, conte-nos, conte-nos como é que vai fazer para as tirar de lá. Vá, conte, que nós estamos a gravar. Olhe, e tem animais também em perigo?…
– Uma pergunta de cada vez, que daqui a pouco trocam-se-me os neurónios e depois não sai nada que jeito tenha, carago!… Pois tenho que as trazer na carripana que está quase a cair e ainda me há de arder antes que lá chegue. E sim, tenho por lá um bichano e dois canitos.
– Ai, coitadinhos!… Vá lá, senhor Porfírio. Vá lá que os animaizinhos têm que ser salvos!…
Nisto, o senhor Porfírio, que tinha visto aquela reportagem em que um jogador da seleção atirou com um microfone para o lago, tomou-se de brios e… botou as mãos, calejadas de anos de canseiras, à parafernália de fios, câmara, micro, espalhando tudo em seu redor. E correu, correu a bom correr para tentar salvar uma vida inteira acantonada entre quatro paredes que o fogo ameaçava engolir.
E nem sequer olhou, de soslaio que fosse, quando ouviu os senhores das perguntas num lancinante grito de “Socorro, socorro, que estamos cercados pelas chamas!!!… Acudam, acudam!….”
Não parou. Tinha que salvar mulher e sogra e mais o bichano e os canitos… Apesar disso, ainda arranjou tempo para matutar de si para si:
“Assim se faz um certo “jornalismo” em Portugal…
Uma pergunta: terão alguns desses senhores “jornalistas” carteira profissional?…
Por: Norberto Gonçalves