Arquivo

Estelas Discoidais

Nos Cantos do Património

Uma das temáticas já abordadas nesta coluna refere-se à tipologia de enterramentos na alta Idade Média, nomeadamente a construção de sepulturas escavadas no afloramento rochoso. Todavia, existe um ponto que raramente é abordado, as estelas discoidais.

As estelas seriam construídas em pedra, sendo a maioria dos exemplares conhecidos em granito, possuindo uma base rectangular e o topo discoidal. Por norma exibem entre 30 a 50cm de altura, com gravação em ambos os lados.

Eram colocadas no topo das sepulturas rupestres, sendo ainda perceptível em alguns casos cavidades abertas no afloramento para o seu encaixe.

Em termos sociais e simbólico-religioso a existência destas estelas marca uma nova mentalidade face à morte. Trata-se de uma das primeiras evidências das comunidades da alta Idade Média da saída do anonimato dos enterramentos com a colocação de um elemento que permitia o reconhecimento do inumado. É o início da sua identificação, ganhando particular relevo em áreas urbanas ou em necrópoles extensas.

Pela cronologia das estelas verificamos que são posteriores aos enterramentos em sepulturas rupestres. Segundo os dados actuais estas são construídas a partir do século VIII, atingindo o antropomorfismo pleno a partir do século X, continuando a sua elaboração até à primeira metade do século XII. Por outro lado, consideram-se as estelas já do século XIII. Tratar-se-iam de enterramentos mais tardios, denunciando uma persistência da tradição de abertura de sepulturas no afloramento rochoso ou a reutilizações? Somos de opinião que alguns destes enterramentos são de um período posterior.

Não deixa de ser curiosa a possibilidade de relação entre a mentalidade inerente à colocação de estelas em período medieval com as aras funerárias romanas. Mesmo no primeiro caso algumas sepulturas estariam cobertas por terra sendo o único exemplar visível a estela, como parece ter acontecido na necrópole do Senhor da Boa Morte em Vila Franca de Xira.

Embora os exemplares de estelas mais comuns correspondam à simbologia cruciforme, outras, pela sua especificidade permitem o reconhecimento do inumado, como é o caso da representação de um cálice identificando um eclesiástico, uma janela geminada identificando um arquitecto, uma ferradura corresponde a um ferrador, as armas e escudos a um guerreiro, entre outras.

Também já aqui nesta coluna referimos a existência de doze exemplares de estelas na vila medieval do Jarmelo, havendo notícia que muitas outras foram levadas. Neste caso específico, sendo uma importante vila medieval, tendo em conta o número elevado de estelas e a homogeneidade entre os exemplares é possível a existência, neste núcleo ou nas suas proximidades, de uma oficina especializada no fabrico destes monumentos.

Assim, para além de denotar a importância destes elementos no ritual de inumação, estas informações permitem-nos ainda inferir a relevância deste núcleo populacional neste período cronológico, havendo uma oficina com canteiros especializados.

Sem dúvida, pequenos elementos como uma estela discoidal permitem-nos conhecer melhor as comunidades humanas que aqui viveram 800 anos atrás.

Por: Vítor Pereira

Sobre o autor

Leave a Reply