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Estância da Serra da Estrela não atrai esquiadores portugueses

Factores como o preço dos alojamentos ou a dimensão e variedade das pistas leva a maioria a preferir destinos no estrangeiro

A estância de esqui da Serra da Estrela não tem sido o destino de neve escolhido pela maioria dos esquiadores portugueses. A conclusão está numa dissertação de mestrado apresentada no Instituto Superior Técnico (IST) por Mário Carvalho. Em “Os desportos de Inverno e o reposicionamento da oferta na Região de Turismo da Serra da Estrela”, o autor adianta mesmo que 30,5 por cento dos esquiadores nunca visitaram as pistas da Serra da Estrela.

De resto, o estudo garante que mais de 68 por cento dos inquiridos não escolheu a estância portuguesa na época de 2005/2006, embora todos tenham visitado, na mesma temporada, uma estância além-fronteiras. A distância entre as residências dos praticantes de desportos de Inverno e a Serra da Estrela, os preços dos alojamentos, a distância entre os hotéis e a estância e, por último, os preços das viagens de avião que colocam os Alpes a duas horas de um aeroporto nacional, são os principais motivos que têm “roubado” clientes à estância nacional. Mas não só. O autor salienta que, aquando da escolha de um destino, os esquiadores também têm em conta a qualidade da neve, a dimensão do domínio, o número de quilómetros esquiáveis, assim como a dificuldade e a extensão das pistas. Para além disso, a tese sugere que a sustentabilidade da estância da Torre deve passar pela criação de uma oferta conjunta com a localidade espanhola de La Covatilla, na serra de Béjar, a 70 quilómentos da Serra da Estrela, e que o autor descreve como «uma estância muito jovem, que oferece não só mais pistas e quilómetros esquiáveis que a Serra da Estrela, como possui ainda um potencial de crescimento que não encontra qualquer paralelismo» deste lado da fronteira.

Ainda assim, La Covatilla não tem sido, para já, «uma grande concorrente», até porque, segundo o estudo, 70,7 por cento dos praticantes portugueses desconhecem este destino de neve. Contudo, adverte Mário Carvalho, os seus responsáveis têm evidenciado «uma grande atenção e interesse pelo mercado português». Por outro lado, a dissertação considera «um erro primário e grosseiro» a eventual construção de infraestruturas em betão, com o casino ou o Palácio de Congressos nas Penhas da Saúde, projectos que «além de desajustados do meio, estão também desligados das necessidades dos praticantes de desportos de Natureza e Inverno». Mário Carvalho defende que as instituições e empresas ligadas ao destino Serra da Estrela «não podem pensar que o turismo de massas é o cenário ou a solução para o desenvolvimento sustentado da região». E defende que as estratégias adoptadas nos últimos anos, «em particular pelos responsáveis da RTSE, Turistrela e algumas Câmaras Municipais, têm tido um efeito verdadeiramente perverso». Tanto mais que as populações locais nada têm beneficiado «em termos económicos ou de criação de emprego» deste modelo. Antes pelo contrário. As decisões tomadas têm contribuído «para aumentar a sazonalidade da Serra da Estrela e reduzir a capacidade de uma oferta que se deve posicionar no turismo rural e de natureza para o qual a região está vocacionada», sustenta.

Responsáveis desvalorizam

Confrontado com as conclusões deste trabalho, Artur Costa Pais, administrador da Turistrela, garante que a estância está, todos os anos, «a rebentar pelas costuras e quase não há capacidade para receber tantos praticantes». Desvalorizando o estudo, acrescenta que é «normal» os apreciadores de esqui deslocarem-se para outros países para «desfrutar de mais pistas» e argumenta: «Em Espanha há 32 estâncias e é o país que mais turismo de neve faz em França. Nós estamos para a Espanha como este país está para a França», sublinha, lamentando que haja «cada vez mais gente mal intencionada» no turismo na região. Por sua vez, Jorge Patrão, presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela, recusa-se a comentar teses de mestrado. «Ninguém falou com a RTSE durante a elaboração desse trabalho, que demonstra uma profunda ignorância em relação à realidade», garante.

O autor

Mário de Jesus Carvalho é professor de Marketing e Gestão no Instituto Politécnico de Leiria. A tese “Os desportos de Inverno e o reposicionamento da oferta na Região de Turismo da Serra da Estrela”, discutida a 12 de Outubro do ano passado, surgiu, segundo refere, «do amor à causa e da relação de proximidade com a Serra e com os desportos de neve». Foi professor de esqui na Serra Nevada, participou na primeira descida de esqui no Pico (Açores, de onde é natural), foi vice-campeão nacional da modalidade e é, actualmente, membro do clube de esqui de Vale Formoso (Covilhã). O «monopólio de exploração turística e a sobreposição dos interesses comerciais à noção de sustentabilidade» são alguns dos aspectos que mais critica no turismo da Serra da Estrela.

Rosa Ramos

Sobre o autor

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