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Espírito de campanha

Ouve-se Assunção Cristas, candidata à Câmara Municipal de Lisboa, a propor 20 novas estações de metro para a capital e percebem-se várias coisas sobre como de tantas maneiras vai indo mal o país político.

Primeiro, isto das campanhas eleitorais e os anúncios de obras faraónicas continuarem de mãos dadas. Não há eleição autárquica em que não venha este número da obra emblemática, esta necessidade de o candidato, sem eleito, deixar a sua marca, muito maior do que a de ir ao encontro das necessidades das pessoas.

Segundo, o assunto ser levado a debate plenário da Assembleia da República e até merecer uma intervenção do Primeiro-Ministro, tudo levado com a maior naturalidade entre os órgãos de comunicação nacionais, bem mostra como quem tinha razão era o Eça: Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. Era assim no fim de oitocentos, foi assim no fim de novecentos, e não parece que venha a ser diferente novo milénio adentro.

Terceiro, mas que contraste com os comboios “rápidos”, rapidíssimos, que chegam ao Interior vindos de Lisboa a uma média de 75km/h, carruagens recauchutadas, que melhor serviriam uma composição regional do que o curso nacional que de facto fazem! Que contraste com a reactivação, que tarda, da única linha férrea que ligava Guarda, capital de distrito, e Covilhã, cidade universitária, e que poderia ligar esta ao Porto e ao norte do país!

Quarto, tudo isto tem que ver com densidades populacionais e, portanto, com pessoas, muitas de um lado, poucas do outro, não valendo as necessidades destas mais do que as daquelas. Certíssimo, mas a pescadinha de rabo na boca é evidente. Só não se põe prontamente em acção a reactivação de uma linha férrea estratégica para o interior por nada se fazer contra a desertificação. As desigualdades também se declinam na forma de desigualdades territoriais. O Interior é do país todo.

Quinto, e assim se insulariza o Interior, com a maior das naturalidades. Em vez de problema central a atacar, o despovoamento é, pelo contrário, tomado como argumento para não fazer o que evitaria mais despovoamento. E até nesta insularização a desigualdade se faz sentir. Quem pode não nota nada. Há autoestradas esplêndidas que em bons automóveis encurtam o tempo de viagem. A desigualdade tem essa subtileza: permitir o acesso ao Interior, mas pouco a quem nele vive. A insularização do Interior é sócio-económica. Talvez Cristas, a bom preço de bilhete, ainda se lembre de um metro com partida do Largo do Caldas e chegada na Guarda, com paragem nas termas de Unhais.

Por: André Barata

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