Em “O Mundo Sem Nós” (Estrela Polar, 2007), Alan Weisman descreve o que sucederia ao planeta se, por qualquer razão, os seres humanos deixassem de estar presentes. O que ele mostra é válido para exemplos mais limitados da sua tese, como por exemplo edifícios abandonados, que eu limitarei aqui ao caso do Hotel de Turismo da Guarda.
Segundo Weisman, a água é o grande inimigo. Numa casa normal, habitada, as infiltrações são imediatamente detectadas pelos moradores. Se houver uma telha desviada do sítio, ou um cano roto, quando a água cair do tecto ou as paredes começarem a ficar pretas com a humidade, será feita alguma coisa. A telha será posta no sítio, o cano será substituído ou reparado, a infiltração na parede será identificada, assim como a sua causa, e tomar-se-ão medidas. O problema da água é que tem um grande poder corrosivo, sobretudo sobre os pregos, por exemplo os da estrutura de madeira que suporta o telhado. Conforme enferrujam perdem resistência, e os sucessivos invernos e verões, com as dilatações e contracções que implicam, irão testá-los até ao limite – e este vai chegar mais depressa do que se julga. O espaço junto às chaminés, então, é de todos o mais vulnerável, e onde surgirão as primeiras fissuras. Por estas aumentará cada vez mais o fluxo da água e esta seguirá o seu caminho por toda a estrutura, apodrecendo madeiras e gessos e enferrujando os pregos e parafusos que encontrar pelo caminho.
A saída dos humanos liberta espaço para ratos, morcegos, pássaros, e as suas corrosivas fezes e urina. Os vidros partidos não serão substituídos, permitindo a entrada a mais pombos, ratos, e água. Pouco a pouco, os soalhos irão apodrecendo e a sua resistência será cada vez menor. Enquanto havia gente a tratar do prédio, o soalho era encerado e limpo. Agora é tratado a urina de ratos e morcegos.
Também as plantas encontrarão o seu caminho. Pouco a pouco irão aparecer silvas e ervas daninhas, enraizando-se nos soalhos, na areia e terra que se vai acumular nos cantos, nas lareiras, junto a vidros partidos. As raízes dessas plantas vão infiltrar-se pela estrutura do prédio, engrossar, fazer ceder vigas, paredes, tectos.
Um dia vai cair o telhado. O peso deste, ao desabar sobre soalhos já debilitados e parcialmente apodrecidos, irá fazê-los desabar também. As paredes, por sua vez, perdida a consolidação oferecida pelo telhado, estarão em risco.
Há outra coisa. Não dispondo de humanos que o mantenham, que executem os pequenos gestos quase invisíveis que permitiam que continuasse habitável, ou que o vigiem, o Hotel está sujeito a toda a espécie de vandalismos. Numa noite de inverno mais fria, alguém, algum dos muitos novos sem-abrigo que as desgraçadas contas do Estado têm criado, pode acender ali uma fogueira para se aquecer e acabar de vez com o que restar do edifício.
Mas, dirão, parece que vai abrir ali uma escola de turismo e por isso as coisas não vão chegar nunca a esse ponto! E para além do mais o Hotel de Turismo fica numa zona nobre da cidade! Pois parecia e pois ficava. A última notícia é que já não vai haver escola de turismo e, quanto a zona nobre, esta era-o também por causa do próprio hotel. E na dúvida, enquanto se faz ou não alguma coisa, os ratos, os pombos e a chuva, e o próprio tempo, continuarão o seu trabalho de demolição.
Por: António Ferreira