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Equívocos sanáveis

Há poucas semanas, Júlio Sarmento escreveu neste jornal um texto de opinião em que a verborreia semântica ultrapassou em larga escala a razoabilidade factual. Que merece atenta interpretação.

Quando Júlio Sarmento refere que António José Seguro distingue os negócios enquanto «coisa má» e a política enquanto «coisa boa» está a sonegar parte importante da equação. Eu, que não sou adepto do estilo e da figura de Seguro, reconheço que aquilo que o ex-secretário-geral do PS pretende distinguir é precisamente, e tão só, a relação promíscua entre negócios e política. É nesse limbo que o interesse público é deixado de parte em favor de minudências, essas sim privadas, como o interesse e benefício próprios.

Afirmar que «foi a má política que estragou os negócios», levando, em última instância, ao recurso à troika, é lamentavelmente redutor. Não terão também os maus negócios, muitas vezes envolvendo o privado e o público, num esquema que torna difícil destrinçar quem é quem, responsabilidade? Não terá sido a endogâmica dependência entre empresários, habituados a viver sob a manjedoura pública, e decisores políticos afetos a estes hábitos, a penalizar a real iniciativa privada?

Para Júlio Sarmento, «quem tem capacidades profissionais (…) tem sucesso nos negócios e quem não tem (…) dedica-se à política». Esta afirmação, especialmente vinda de alguém que construiu grande parte da carreira na política e através dela, afirma-se insultuosa. Quererá isso dizer que o ex-presidente da câmara de Trancoso, constatando a falta de capacidades, se dedicou à política? Ou terá sido, ao fim de longos anos como político local que, por assomo divino, o empreendedorismo sobre ele desceu?

A certa altura, revelando total desconhecimento do mundo que o rodeia, alude à suposta incapacidade do Estado e da banca para se financiarem a baixos juros. Ignora, pura e simplesmente, que apesar do Estado não haver assegurado o necessário rigor orçamental nem o controlo do défice, a banca financia-se a juros historicamente baixos de 0,05%, enquanto o país vai colocando dívida a 10 anos abaixo dos 3%. Fosse esse o problema da economia e estaríamos bem!

Em suma, Júlio Sarmento interioriza o abjeto discurso da atual maioria governativa, mas também do período Sócrates, em que se tenta voltar o público contra os privados. Apesar de trabalhador do privado, nunca olhei para a função pública com desprezo. Antes pelo contrário, porque não há Estado de primeiro mundo sem uma função pública forte e capacitada.

Porém, aquilo que me intriga é perceber se este pensamento sempre reinou na cabeça de Júlio Sarmento. Especialmente quando presidente de câmara. Mesmo quando privilegiou mandatos camarários em que a presença estatal, por via da autarquia e das empresas municipais, atingiu níveis absolutamente desproporcionados. Aliás, como hoje se verifica. Deixo a pergunta que, acredito, não terá resposta: Foi também Júlio Sarmento um «político demagogo que sempre viveu à custa do Estado?» Acredito já conhecer a resposta.

Por: David Santiago

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