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Epitáfio

«Na véspera de não partir nunca…» (Álvaro de Campos), e enquanto encerro a minha praia, caminho como toda uma multidão para o desatino do desemprego, mas quem quer saber? O Verão foi longo, mas chegou ao fim. Viva o Inverno neste Inferno que ninguém sabe mudar. Os senhores da política já nem promessas sabem fazer. Agarram-se ao tacho e esquecem. Esquecem tudo o que disseram. E esquecem tudo o que agora dizem. Daqui a quatro anos voltaremos… e nada veremos mudado, porque nesta terra nada muda… e quando muda é para ficar igual.

E, entretanto, choro. Choro pela emoção das despedidas. Como aquelas que, na última Assembleia Municipal da Guarda, despediu os deputados trânsfugas (ou que pelo menos se levantam como grandes adversários do actual PSD). Que palavras bonitas se ouviram. O senhor Saraiva, eminente porta-voz do hemiciclo, clamou por justiça para com os deputados “gastos” que partiam. Emocionado, com a voz embargada, protestou a perda de tão ilustres tribunos, inimigos, agora amigos, excluídos. E agradeceu. Agradeceu que durante anos os deputados tenham estado ali. Que incomodassem apenas Valente e sempre sobre a PLIE. E pouco mais. E agradeceu. Agradeceu em nome próprio e em nome do presidente (que foi administrador da sociedade Polis) que nunca lhe tenham perguntado pelos 30 milhões que gastou em seis anos de Polis. Trinta milhões que serviram para uma má intervenção na Praça Velha e um parque/jardim junto ao Rio Diz. Se lhe tivessem perguntado, ele teria também acrescentado que alguns tostões serviram para fazer um quartel de bombeiros, porque a sociedade Polis tinha muita necessidade do terreno das antigas instalações, para lá fazer… um parque de automóveis, ao cimo de um pinhal, onde ninguém vai. E mais uns tostões para um bloco habitacional, onde, em quatro anos, já venderam um apartamento, da dúzia que foram construídos, fechados e a apodrecer. Os deputados nunca quiseram incomodar o senhor Saraiva, nessa dura tarefa de fiscalizar, para que tinham sido eleitos. E gastaram-se. Gastaram-se, mesmo sem perguntar ao senhor Saraiva, emocionado, para onde tinham ido os 30 milhões do Polis… que também deviam ter servido para fazer o Museu da Água. E para fazer o Centro de Interpretação da História de Portugal. E tantas outras coisas… Por isso o senhor Saraiva estava emocionado. Despedia uns deputados “gastos” que nunca o incomodaram com a pertinência das necessidades da cidade. Uns deputados, que, ali mesmo, entre lágrimas e champanhe da despedida, podiam perguntar ao senhor Saraiva o que andava a fazer que justificasse os milhares de euros que a Câmara lhe paga na Agência para a Promoção da Guarda – a eminência parda da funesta sociedade Polis. A fazer umas feiras de velharias, poderia responder o tribuno. E mais uns livros de autoria própria e financiamento municipal.

É assim que também eu me emociono. “Baste a quem basta o que lhe basta /O bastante de lhe bastar!” (Fernando Pessoa).

“Já não sou eu, mas outro que mal acaba de começar” (Samuel Beckett), porque eu, o outro, tenho mesmo de partir, para não ter de conviver com uma cidade assim. Adeus. Vou andar por aí…

Por: O Nadador Salvador

Nota: Neste período de Verão, publicamos esta rubrica de opinião política “quente”

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