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Entretanto, num Planeta Distante

A crise do crédito imobiliário alastrou a um ponto em que pouco mais restava aos bancos centrais do que baixar as taxas de juros. A Reserva Federal dos EUA antecipou-se, sendo seguida a curto prazo pelo Banco Central Europeu. Com isso mudaram de direcção numa estratégia de vários anos, em que a prioridade era o aumento do preço do dinheiro para controlar a inflação. Agora, era essencial dar um pouco de fôlego tanto aos bancos como aos milhões de proprietários aflitos com as altas taxas de juro. Portugal é um dos países mais expostos da Europa a essa crise, tantos são aqui os proprietários da própria habitação, adquirida com recurso ao crédito bancário. Os bancos começaram já, entre nós, a dificultar o acesso ao crédito. Quem se candidata hoje a comprar casa vai ter de provar ter um emprego estável ou, caso seja contratado a prazo, terá de apresentar um fiador. Aí está o valor que se dá hoje a uma hipoteca.

Entretanto, o preço do petróleo aproxima-se dos cem dólares por barril, um valor nominal de que não há memória e de que apenas nos aproximámos, com correcção monetária, em 1973. Vale-nos neste momento o elevado valor do euro face ao dólar, moeda em que se compra o petróleo e em que o câmbio favorável tem amortecido o impacto do aumento dos preços. Este impacto, como se sabe, é inflacionário, como o é a descida das taxas de juros. Mais uma vez, estamos vulneráveis, mais vulneráveis que ninguém na Europa, atenta a nossa dependência energética. E estamos tão vulneráveis que nem sabemos por que rezar: se pela subida do dólar, para podermos aumentar as nossas exportações, se pela sua descida, para não sofrermos tanto com o aumento do preço do crude. A procura deste, entretanto, aumenta com a aproximação do inverno e com o aumento exponencial do consumo na China e na Índia.

É algo triste verificar que as taxas de juro, o valor da nossa moeda e o custo da energia que consumimos estejam totalmente fora do nosso controlo, mesmo podendo, de um dia para o outro, levar milhares de empresas à falência e milhares, ou milhões, de pequenos proprietários a perder as suas casas. Estas seriam, são, as grandes preocupações actuais de quem está informado do que se passa pelo mundo fora e receia as suas implicações entre nós.

Entretanto, num planeta distante, mais propriamente na Assembleia da República, as preocupações são outras. E verdade que pouco risca já no que verdadeiramente interessa e pouco pode fazer para atenuar os efeitos das várias crises que nos ameaçam. Mas a preocupação, aí, hoje, era outra. Era saber qual seria o resultado do confronto parlamentar entre José Sócrates e Santana Lopes. Do duelo verbal os jornais e as televisões pouco mais retiveram do que alguns comentários mais acintosos, ou mais humorísticos, de parte a parte. O que já estava na ordem de trabalhos hoje, na Assembleia da República, era o Orçamento Geral do Estado para 2008, o último na prática que este governo apresenta e que sabe poder cumprir integralmente, que o do ano que vem será já demasiado próximo das eleições para poder ser levado a sério. Pela RTP1, desse orçamento pouco mais se soube que este prevê verbas para generalizar a vacina ao cancro do colo do útero e medidas para a saúde oral infantil. Não fiquei a saber o que disse a oposição sobre o assunto nem o alcance real, ou o custo, dessas medidas. Cada vez que parecia aproximar-se alguma informação a sério, lá vinham mais umas larachas sobre o derby Sócrates – Santana. Na Internet, o site do Público limita-se a essas larachas e o do Expresso centra-se sobre o fracasso da intervenção de Santana Lopes, que quando ia finalmente falar sobre o orçamento, viu o tempo acabar-se-lhe. Provavelmente foi melhor assim.

Por: António Ferreira

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