Houve um tempo em que a classe dos professores era uma das mais prestigiadas e influentes da sociedade. Esse tempo já lá vai. Desde há uma década ou duas, esta classe tem sido completamente desprezada e reduzida a cinzas na sua reputação profissional e estatuto social. Uma sociedade evolui porque existe um sistema educativo e existem docentes. Os professores e o exercício educativo deveriam ser vistos como os pilares do desenvolvimento de uma sociedade. Deveria ser uma profissão socialmente valorizada, defendida e acarinhada por todos. Mas o que temos assistido ao longo dos últimos anos, e sobretudo nas últimas semanas, são manifestações puramente maldosas e injustas para com os professores. O estatuto profissional do professor é menosprezado pela maioria da sociedade porque subsistem mitos urbanos que não correspondem à realidade: os professores ganham bem, trabalham pouco, têm muitas férias e regalias, progridem fácil e rapidamente na carreira, “fazem o que querem”, são um lóbi forte.
É este tipo de barbaridades que tenho lido e ouvido sobre a classe profissional dos professores. Eu fui professor durante 6 anos em 6 escolas diferentes do país e conheço a realidade da exigência docente. Mais: tenho familiares e amigos próximos professores e profissionalmente lido com muitos professores de todas os níveis de ensino. Conheço o panorama diário das dificuldades e problemas que os professores enfrentam diariamente na sala de aula (e fora dela). E o panorama, meus amigos, é negro e frustrante. Ser professor ao fim de anos é desgastante e stressante. Por mais que se goste de dar aulas, por mais dedicado que se seja, qualquer professor dedicado sucumbe face às dificuldades que enfrenta diariamente.
Ser professor é ter de lidar todos os dias com alunos insubordinados dentro da sala de aulas, é ter de acumular funções, ser docente, encarregado de educação e psicólogo. É ter de assumir o papel de burocrata kafkiano num sistema de ensino asfixiante que obriga o docente a trabalhar muitas horas em casa (coisa também ignorada por muita gente). É ter de ser obrigado a cumprir programas curriculares extensíssimos, densos e desajustados, muitas das vezes, das reais necessidades de conhecimento dos alunos. Ser professor hoje em dia é poder estar a 300km longe de casa e fazer milhares de km por mês para estar com a família ao fim-de-semana. É ter de lidar com a arrogância e sobranceria impune dos alunos e dos pais, que fazem juízos de valor completamente erróneos sobre a realidade quotidiana de uma escola (porque não a experienciam, e isso faz toda a diferença). Há professores incompetentes? Sim, como há advogados, diretores de empresa, médicos, engenheiros e polícias incompetentes. Mas o que se tem visto em relação aos professores é um perigosíssimo unanimismo negativista, é o mesmo que ver passar um cilindro por toda a classe profissional, dizimando-a sem distinção, sem um pingo de racionalidade na análise sobre os verdadeiros problemas e exigências desta classe profissional essencial ao desenvolvimento de uma sociedade.
Ou, como dizia o médico e escritor João Lobo Antunes: «O professor merece reverência, a começar pelo cargo que representa, pelo simples facto de ser professor. A partir do momento em que se mina esse sentimento, tudo pode acontecer». Era bom que esse sentimento não continuasse a ser minado no seio da sociedade portuguesa.
Por: Victor Afonso