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Em busca da povoação dos Sagaoboaicos na Coriscada

Nos Cantos do Património

Na área da Coriscada era frequente o aparecimento de materiais arqueológicos da época romana que apontavam para a existência de uma importante povoação romana na zona. O indício mais significativo era uma pedra de altar romano (ara) com inscrição descoberta numa casa da povoação. Mas sabia-se, também, que nos olivais da zona do Gravato os arados esbarravam em tal quantidade de materiais romanos que quase tornava impraticável o cultivo das terras naquela zona. Reconheciam-se, sobretudo, tijolos de grande dimensão, telhas romanas, escória de fundição e muita pedra aparelhada. Os vestígios eram conhecidos pela população que atribuía ao local a origem da povoação da Coriscada. Foi precisamente nesse local que se descobriram as ruínas de um possível balneário romano (Vide o INTERIOR de 04 de Setembro de 2003).

Voltemos à ara, com inscrição em latim, descoberta na década de 80 numa casa da Coriscada. Fernando Curado, que a estudou, publicou a seguinte leitura: IOVI OPTUMO MAXUMO SACRUM VICANI S…GOABOAICENSES. O que, traduzido para português, quer dizer o seguinte: “Consagrado a Júpiter Óptimo Máximo. Os habitantes de Sagoaboiaco (mandaram erigir este monumento)”. Com a descoberta desta inscrição ficou-se a saber que nas proximidades da Coriscada, ou na própria povoação, existiu um vicus romano cujos habitantes de denominavam Sagaoboaicenses. Ora, os dois sítios com mais vestígios romanos à superfície localizados nas proximidades da Coriscada são os terrenos agrícolas do Gravato – também conhecido como Vale de Mouros – e as vinhas da Quinta do Campo.

Diversos indícios apontavam para a localização do vicus na zona do Gravato. As pessoas que exploraram as terras agrícolas do Gravato ainda se lembravam de lá ter existido uma antiga capela e de desenterrarem esqueletos metidos em sepulturas feitas com tijolos. As descobertas recentes de estruturas de um provável balneário vieram, de certa forma, trazer mais alguma luz sobre a localização do vicus romano. Com efeito, um vicus na época romana era um aglomerado urbano secundário criado de raiz pelos romanos onde se concentravam actividades comerciais, artesanais e religiosas. Em termos administrativos posicionava-se entre uma cidade e uma aldeia propriamente dita. Assim, os vici romanos poderiam ter estruturas colectivas como piscinas públicas aquecidas que serviam a população do território. Os vestígios descobertos no Gravato podem pertencer às ruínas do sistema de aquecimento.

No entanto, também as villae romanas, ou seja, as casas de campo de ricos proprietários rurais, poderiam ter aquecimento. Veja-se o exemplo do sítio arqueológico da Póvoa do Mileu, na Guarda, interpretado como uma villa romana, que possui um hipocaustum, semelhante ao descoberto na Coriscada.

De qualquer modo, embora não se possa afastar a hipótese das ruínas do Gravato poderem pertencer a uma villa romana, actualmente tudo parece apontar para a localização da povoação dos Segoaboicenses no olival do Gravato ou Vale de Mouros. Ali teria existido um pequeno templo consagrado a Júpiter. Curiosamente, as pessoas ainda se recordam de ter existido na zona uma capela. Quem sabe se a capela arruinada do Gravato não foi construída sobre as ruínas do templo a Júpiter?

Por: Manuel Sabino Perestrelo

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